INDÚSTRIA CULTURAL E O PROBLEMA DO ADVENTO DAS MASSAS

Allan de Aguiar Almeida

A Época Moderna terminou com um processo que a filosofia começou desde a Antiguidade na Grécia, o próprio desencantamento do mundo, a passagem do mito à razão, da magia à ciência e a lógica, um processo que liberou as artes da sua função e finalidades meramente religiosas dando-lhe autonomia. No entanto, a partir da segunda Revolução Industrial no século XIX e prosseguindo no que se denomina agora sociedade pós-industrial ou pós-moderna (iniciada nos anos 70 de nosso século) as artes foram submetidas a uma nova servidão, às regras do mercado capitalista e a ideologia da indústria cultural, baseada na idéia e na prática do consumo de "produtos culturais" fabricados em série, com obras de arte que são mercadorias, como tudo aquilo que existe dentro de um sistema como se apresenta no capitalismo.

A arte não se democratizou, massificou-se para o consumo rápido no mercado da massa e nos meios de comunicação de massa, transformando-se em propaganda e publicidade, sinal de status social, prestígio político e controle cultural. A arte possui intrinsecamente valor de exposição, isto é, existe para ser contemplada e desfrutada. No entanto, sob o controle econômico e ideológico das empresas de produção artística, a arte se transformou em seu oposto: é um evento para tornar invisível a realidade e o próprio trabalho criador das obras. É algo para ser consumido e não pra ser conhecido. As obras de arte e de pensamento poderiam democratizar-se com os novos meios de comunicação, pois todos poderiam, em princípio ter acesso a elas, conhecê-las, incorporá-las em suas vidas, criticá-las, e os artistas e pensadores poderiam superá-las em outras, novas.

A democratização da cultura tem como precondição a idéia de que os bens culturais são direitos de todos e não privilégio de alguns. Democracia cultural significa direito de acesso as obras culturais, direito à informação e à formação culturais, direito à produção cultural. A indústria cultural massifica a cultura porque separa os bens culturais pelo seu suposto valor de mercado: há obras "caras" e "raras", destinadas aos privilegiados que podem pagar por elas, formando uma elite cultural; e há as obras "baratas" e "comuns", destinadas à massa. Assim em vez de garantir o mesmo direito de todos à totalidade da produção cultural, a indústria cultural introduz a divisão social.

Cria a ilusão de que todos têm acesso aos mesmos bens culturais, cada um escolhendo o que deseja, como o consumidor, num supermercado. No entanto, basta ver os programas de rádio e televisão, o cinema, a música, o que é vendido nas bancas de jornais e revistas, o conteúdo desses, para vermos que, através dos preços as empresas de divulgação cultural já selecionaram de antemão o que cada grupo social pode e deve ouvir, ver ou ler. No caso dos jornais e revistas, por exemplo, a qualidade do papel, a qualidade gráfica e imagens, os tipos de matérias e assuntos definem o consumidor e determinam o conteúdo daquilo a que terá acesso e tipo de informação que poderá receber, ou seja, inventa uma figura chamada "espectador”, "ouvinte" e "leitor", aos quais são atribuídos certas capacidades mentais e conhecimentos "médios”, tal como uma criança de “onze anos”, como se enfatiza para as produções da maior parte do cinema feito em Los Angeles.

A indústria cultural vende Cultura, e para vendê-la, deve seduzir e agradar o consumidor. Para seduzi-lo e agradá-lo não pode chocá-lo, provocá-lo, fazê-lo pensar, fazê-lo ter informações novas que o perturbem, mas deve devolvê-lo com nova aparência, o que ele já sabe, já viu ou já fez. A "média" é o senso comum cristalizado que a indústria cultural devolve com cara de coisa nova, aquilo que é velho, mas que apresenta uma nova roupagem, um novo designer, mas com os mesmos ideais de sempre, totalmente mascarado.

A Indústria Cultural define a cultura como lazer e entretenimento, diversão e distração (adestração?), de modo que tudo o que nas obras de arte e de pensamento significa trabalho da sensibilidade, da imaginação, da inteligência, da reflexão e da crítica, não tem interesse, não "vende". Massificar é assim, banalizar a expressão artística e intelectual. Em lugar de difundir e divulgar a Cultura, despertando interesse por ela, a indústria cultural realiza a vulgarização das artes e dos conhecimentos.

O termo Indústria Cultural foi pela primeira vez utilizado em 1947 na publicação de Horkheimer e T. Adorno, Dialektik der Aufklãrung, (Dialética do Esclarecimento) onde tratavam do problema da “cultura de massa”, e não de uma arte popular como de antemão se poderia pensar. Nesse tipo de cultura, as massas não são os fatores primeiros, mas sim os elementos secundários, de cálculo, objetos de toda uma engrenagem para se movimentar o sistema econômico.

A técnica da indústria cultural em que diz respeito à distribuição e reprodução mecânica, permanece externa ao seu objeto e tem como suporte ideológico no fato de que se exprime cuidadosamente a tirar todas as conseqüências e produtos de suas técnicas. O sistema da indústria cultural é na verdade um orientador das massas, que não permite evasão e se impõe aos esquemas de seu comportamento ideal e “padrão”, tendo como objetivo a dependência e servidão por parte dos homens, vendendo-lhes uma sensação agradável, ilusões ou mesmo criando insatisfações.

A cultura, com a intervenção técnica e os meios de reprodução em massa, perde sua "aura" e passa a ser mercadoria, descaracterizada enquanto manifestação artística é moldada para agradar aos padrões da massa consumidora, a cultura de massa rebaixa o nível dos produtos artísticos. Além disso, a relação entre artista e público é intermediada por técnicos. Os produtos são carregados de ideologia dominante e provocam o conformismo.

Todo o seu mecanismo consiste em impedir a formação de indivíduos autônomos, mas dependentes, incapazes de julgamentos e decisões conscientes, através da criação de ideologemas e mitemas ideológicos que tem por objetivo criar “um mundo à parte” e que se justifique enquanto tal.

Dentro desses processos, o obvio, é que a industria cultural perde todo o seu valor artístico e realmente cultural ao se realizar em função do lucro, onde não se faz o “novo” de fato, o original, elemento que apresenta todo o valor estético, a própria aura da arte. Criam-se normas pré-estabelecidas, padrões a serem seguidos obrigatoriamente, comportamentos e subjetividades, como diria F. Guattari, mas criam-se também, “pontos de resistências” que se opõem a uma produção massificada “inconsciente” e que se faz por produzir uma cultura, uma produção realmente artística de fato, independente da lucratividade imposta.

Segundo Adorno, na Indústria Cultural, tudo se torna negócio. Enquanto negócios, seus fins comerciais são realizados por meio de sistemática e programada exploração de bens considerados culturais. Um exemplo disso, dirá ele, é o cinema. O que antes era um mecanismo de lazer, ou seja, uma arte, agora se tornou um meio eficaz de manipulação e propagação de toda a ideologia, apresentando assim uma função catártica, escapista e repressiva, que só faz por aprisionar ainda mais os indivíduos. Portanto, podemos dizer que a Indústria Cultural traz consigo todos os elementos característicos do mundo industrial moderno e nele exerce um papel especifico, qual seja, o de portadora da ideologia dominante, a qual dá “sentido e razão” a todo o sistema.

É importante frisar que a grande força da Indústria Cultural se verifica em proporcionar ao homem necessidades. Mas, não aquelas necessidades básicas para se viver dignamente (casa, comida, lazer, educação, e assim por diante) e, sim, as necessidades do sistema vigente (consumir incessantemente). Com isso, o consumidor viverá sempre insatisfeito, querendo, constantemente consumir ao passo que o campo de consumo se torna cada vez maior. Nesse sentido, o universo social, além de configurar-se como um universo de “coisas” constituiria um espaço hermeticamente fechado. E, assim, todas as tentativas de se livrar dessas armadilhas estão condenadas ao fracasso. Para Adorno a solução, a saída encontra-se na própria cultura do homem: a limitação do sistema e a estética.

Economia é a ordem do dia, o lucro é fundamental, tudo acaba por girando não ao redor do próprio umbigo, mas ao redor da Nasdaq, das cotações do dólar, das últimas fusões empresariais. No início do texto menciono a Antiguidade, época em que se consultavam os grandes oráculos frente a decisões e incertezas, hoje não se faz nada sem se consultar os últimos índices das maiores Bolsas de Valores do mundo, Nova York é a atual Meca, para qual se deve estar direcionado e “antenado” às possíveis mudanças.

A tão falada globalização, sinônimo de colonização, neocolonialismo e imperialismo em outras épocas, só mudou de nome, mas continua exercendo às mesmas influenciais de dominação e opressão que exerceu através dos tempos, tempos esses que pedem, ou melhor, exigem a adaptação do indivíduo ao mercado, às normas de conduta do capital, o “grande salvador” (que seja feita a vossa vontade).

Criou-se assim toda uma comercialização da alma e um novo tipo de socialização, subjetividades e modelos de indivíduos que conseguem até viver uma outra realidade, virtual, aliado e alienado a mais alta tecnologia, solitários na massa, conectados com o mundo, são “neuróticos”, “psicóticos” (ou seriam perversos?), superficiais, assexuados, regredidos a si mesmo, extremamente egoístas, “narcísicos”, que formam e dão origem a uma nova geração tal qual à sua imagem e semelhança.



BIBLIOGRAFIA

ADORNO, T. & HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro, Zahar, 1985.