A ANGÚSTIA E O MAL-ESTAR NA CONTEMPORANEIDADE


Allan de Aguiar Almeida

RESUMO

O presente trabalho tem como primeiro eixo tematizar o conceito de angústia em Sigmund Freud, circunscrevendo suas questões centrais, o percurso em sua teoria, suas reformulações, modos e possibilidades de tratamento. A partir da perspectiva do discurso psicanalítico, visamos também num segundo eixo questionar e problematizar o discurso científico, que com suas atuais configurações clínicas, econômicas e políticas buscam através de promessas paliativas regular e suturar o mal-estar do sujeito. A contemporaneidade nas mais diversas formas de apresentação, reveladas pela análise do mal-estar e da angústia que se constitui, nos trás discussões tão relevantes e ao mesmo tempo tão delicadas e sutis de um momento não decorrido, mas provocador, que é necessariamente o nosso.

RÉSUMÉ

Dans un premier axe, le présent travail aborde le concept d’angoisse chez Freud et circonscrit les principaux questions sur ce thème. On analyse le parcours de ce concept, ses reformulations, les moyens et les possibilités de la cure. On vise aussi, dans un deuxième axe, à partir de la perspective du discours psychanalytique, mettre en question le discours scientifique dont les actuelles configurations cliniques, économiques et politiques cherchent de régler et de suturer le malaise du sujet avec de promesses paliatives. La contemporaneité, dans les plus diverses manières dont elle se présente, révèlée par l’analyse du malaise et de l’angoisse constitués, nous porte un débat, en même temps important et subtil, d’un moment non découlé, mais provocant, ce temps qui est nécessairement le nôtre.

INTRODUÇÃO

Sempre à noite, esperei das estrelas respostas... Porém, mal sabia eu que delas, tiraria as mais cruéis e intrigantes perguntas...”.

Angústia, o tema dos estudos iniciais e finais de Freud, que perpassa toda a teoria psicanalítica, o eixo fundamental da clínica e questão que ocupa na psicologia das neuroses um lugar que podemos afirmar justificadamente como privilegiado.
A questão da angústia enquanto estado afetivo comum a todos os seres humanos e como marca de grande intensidade e freqüência na estrutura neurótica, ocupa para Sigmund Freud, um lugar que pode ser considerado como central dado sua importância na investigação do funcionamento psíquico, do complexo de castração, dos processos de recalque, passando pelas formações de sintoma, tendo grandes relevâncias e conseqüências teóricas e clínicas.
A questão da angústia foi modificada ao longo da obra de Freud à medida que a própria teoria se fez por avançar com a introdução de novos conceitos e com os impasses teóricos e clínicos que até então se apresentavam.
O presente trabalho se assenta em dois eixos principais:
O primeiro deles tematizará o conceito de angústia em Freud, suas questões centrais, o percurso em sua teoria, suas formulações e reformulações, modos e posibilidades de tratamento, articulando-as num segundo eixo com as atuais configurações clínicas fundamentadas pela psiquiatria e farmacologia, que buscam suturar e regular os conflitos e o mal-estar do sujeito através de substâncias neuroquímicas, tendo como alvo o próprio rechaço do sintoma.
Hoje o discurso neurocientífico busca realizar o antigo ideal humano de encontrar num substrato orgânico o fim de todas as mazelas e do mal-estar da civilização. Elementos estes sustentados por promessas paliativas frente a uma atopia tão em voga, marcados por uma economia e cultura narcísicas, de uma sociedade depressiva que enfatiza o imperativo do gozo a qualquer custo.
Formas estas que engendram ilusões sob moldes bastante sofisticados e que levam o sujeito a se confrontar com uma nova ficção de completude a partir da “verdade” e das “totais possibilidades” anunciadas pelos discursos da contemporaneidade que cunham e buscam a conquista das satisfações imediatas.
Uma forma de exemplificarmos isso se dá com a criação da categoria “transtorno de pânico” em 1980. Com a nova edição do “Manual de Diagnóstico e Estatística da Associação Psiquiátrica Americana” – DSM-III – configurou-se um novo recorte dos fatos clínicos que até então se organizavam com o termo “neurose de angústia”, pesquisado por Freud desde 1895.
Tais “transtornos de pânico” e as mais variadas concepções sobre angústia encontraram seu fundamento pela DSM-III que propôs a partir de sua publicação toda uma nova reformulação e classificação dos mais variados “estados de ansiedade”. Assim a irrupção aguda e intensa de sintomas físicos, os “ataques de pânico”, responderiam muito favoravelmente ao tratamento psicofarmacológico à base de antidepressivos combinados com ansiolíticos para interromper as crises repentinas, intensas e inexplicáveis de angústia, trazendo assim e com isso melhoras significativas.
Diante disso um outro recorte foi feito no qual a classificação “transtorno de pânico” se daria somente frente ao fenômeno “ataque de pânico” e estando este ausente teríamos somente um quadro de ansiedade generalizada.
Vemos dessa forma, pela “psiquiatria”, a introdução de uma classificação de doenças, de uma nova entidade nosológica que se faz em favor de uma resposta clínica a um tratamento exclusivamente psicofarmacológico.
Fato este que desconsidera toda a questão da subjetividade, da origem e função dessa angústia que se faz em estreita relação com os mecanismos neuróticos de defesa do sujeito, como um sinal de alarme dado pelo eu que provoca a fuga pelo sintoma enquanto mal-estar constituído.
Dessa forma a farmacologia e a psiquiatria vêm estar a serviço de que o sintoma não se constitua enquanto tal, evitando a promoção de respostas do sujeito frente alguns efeitos de seu “mal-estar”, de seu próprio sintoma, impedindo este que se constitua enquanto endereçamento, enquanto fala, linguagem.
A psicanálise vem assim propor uma interlocução, uma ética para reestruturar os arranjos e as novas formas de gozo da contemporaneidade, não recorrendo a psicologismos ou estratégias técnico-científicas de coerção do sujeito. Vindo, deste modo, a oferecer pela instância simbólica laços transferênciais nos quais possam se dar à inscrição do sujeito, coordenada e ancorada pela linguagem, a psicanálise vem em busca de investimentos subjetivos que conferem ao saber a dimensão de ato, esse inscrito, articulado e constituído em alguma forma de enlaçamento social.
Hoje, frente às novas demandas e interesses do homem pelos objetos da ciência, por aquilo que se tem por uma nova economia psíquica, frente ao discurso capitalista e as suas produções, a psicanálise enquanto uma práxis interessada no mal-estar do sujeito, na causa de sua insatisfação e angústia, nos faz questionar a possibilidade, ou não, de se desfazer do sintoma.
Buscaremos inicialmente tematizar o conceito de angústia em Freud, delimitando sua origem, função, causa e finalidade, suas questões centrais enquanto conceito, estado ou sintoma. Faremos um percurso pela teoria analítica contrapondo com as atuais formas de tratamento fundamentadas pela psiquiatria e farmacologia, que buscariam suturar e regular os conflitos e o mal-estar por substâncias psicotrópicas, tendo como alvo o rechaço do sintoma.
Apresentaremos o movimento e desenvolvimento da teoria freudiana em relação ao afeto de angústia passando desde suas elaborações iniciais até suas inflexões sociológicas e historicistas relacionando-as com os processos psíquicos inconscientes.
Buscamos questionar em que circunstâncias e medidas a angústia é patológica, em que sentido é sofrimento e em quais termos se faz de indizível, ou seja, angústia enquanto mal-estar, enquanto algo de forma não dialetizável, afeto que não engana, ou seja, algo que sinaliza o real.
E finalizando discutiremos o adverso quadro cultural contemporâneo no qual a subjetividade é ignorada do campo das pesquisas da neurociência, neuropsicologia e até mesmo de setores da psiquiatria problematizando assim o risco de vertentes única e meramente organicistas e reducionistas.
A contemporaneidade nas suas formas de apresentação – seja através dos quadros de síndromes do pânico, depressão, ou em suas modalidades outras de gozo como o alcoolismo e as toxicomanias, passando por outras formas de compensação, marcadas pela delinqüência, consumismo, compulsões e principalmente pelo atopismo frente a si e ao outro – nos faz levantar essas e outras discussões tão relevantes e ao mesmo tempo tão delicadas por se tratar de um tempo não decorrido ou fugidio, mas de um momento que é evidente e marcadamente o nosso.
Nas páginas a seguir temos a elaboração de um pequeno percurso clínico, o resultado de “uma escrita” temporal, marcada por uma escuta e ao mesmo tempo uma busca de respostas, um adentramento àquilo que se aflora na angústia do sujeito, da sociedade atual e daquilo que desencadeia de suas provocações.

PRIMEIRA TEORIA DA ANGÚSTIA
"Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência...
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim".
Drummond de Andrade

Em um documento endereçado a Wilhelm Fliess, nomeado como “Rascunho E”, sem data precisamente definida, mas situado em torno de junho de 1894, Sigmund Freud esboça suas considerações iniciais no que diz respeito à questão da angústia se referindo a esta como uma transformação da tensão sexual acumulada que ocorreria devido ao fracasso na descarga dessa tensão por vias psíquicas.
A angústia teria relação direta com a sexualidade e principalmente com o coito interruptus, levando assim a considerações de que essa angústia seria uma frustração prolongada do ato sexual, ou seja, teria como causa algo radicado na esfera física como elemento produtor. Devido a não descarga dessa tensão sexual física haveria um acúmulo, um represamento a partir disso que não foi descarregado, o que caracterizaria uma entidade clínica bem específica nomeada e assim definida, até então, por “neurose de angústia”.
Intercalando esse pensamento naquilo que diz respeito a uma tensão erótica psíquica, Freud é levado a supor que a acumulação da tensão física é característica da neurose de angústia, enquanto que o acúmulo da tensão sexual psíquica seria característica da melancolia [1] . Em termos econômicos com o aumento da tensão física e, por conseguinte com o despertar do afeto psíquico, a conexão permaneceria insuficiente frente a esse afeto sexual que não poderia ser formado, dado que faltaria algo nesses fatores que levariam essa tensão física, não ligada psiquicamente a ser convertida em angústia.
O primeiro artigo de Freud publicado que se refere à neurose de angústia versa sobre os fundamentos dessa a partir dos quadros clínicos de neurastenia [2] . A idéia central está na tentativa de isolar da neurastenia determinados estados nervosos e estabelecê-los como uma entidade clínica própria, a “neurose de angústia”, a qual juntamente com os outros tipos de neurose teriam sua etiologia advinda do campo da sexualidade.
A nomeação e escolha do termo neurose de angústia se faz a partir dos componentes agrupados em torno do sintoma principal da angústia, dado as estreitas e definidas relações que se mantém com este sintoma.
As investigações freudianas propõem que a neurose de angústia surgiria a partir daquilo que manteria a tensão sexual somática afastada da esfera psíquica e da elaboração nesta; o que o levaria a exemplificar a partir de casos nos quais estariam em relação direta com a abstinência sexual voluntária ou involuntária, as relações sexuais não satisfeitas, o coito interrompido e eventos similares.
Ao começar a formular uma sintomatologia para esta entidade clínica, Freud se baseia em casos completos e ao mesmo tempo isolados que sustentam de uma maneira bem própria e que abrangem determinados sintomas como a irritabilidade, a expectativa angustiada desembocando em angústia crônica, os estados de pavor noturno, vertigens, agorafobia, distúrbios nas atividades digestivas, passando pelas parestesias, tipos de conversão para atividade corporal e até mesmo alucinações.
A psiquiatria moderna através de seus manuais diagnosticais – o que discutiremos na segunda parte de nosso texto – vem a aceitar como manifestações somáticas dos quadros relativos à “síndrome de pânico”, sintoma característicos como: dispnéia, taquicardia, sudorese, náusea, despersonalização, parestesias, medo de cometer ato descontrolado, ou ainda medo de enlouquecer ou de morrer.
Ao se referir à incidência e a etiologia dos quadros de neurose de angústia, e aceitando de antemão que em alguns casos não se descobre verdadeiramente sua origem, Freud considera que com grande freqüência a etiologia sexual seria a causa mais óbvia, onde mesmo uma perturbação sexual que não provoque a neurose de angústia no sujeito, o predispõe a adquiri-la.
Dando os passos iniciais na construção de uma teoria que tomasse por completo o mecanismo da neurose de angústia, Freud afirma que seu mecanismo seria marcado por uma queda da excitação sexual somática da esfera psíquica e ainda no conseqüente uso anormal dessa cota de excitação. A neurose de angustia seria acompanhada por um decréscimo muito bem marcado da libido e seria causada por um acúmulo de excitação sexual somática que não encontraria encaminhamento psíquico e que seria transformada em angústia.
Somente com a teoria do recalque que Freud poderá explicar como essa libido acumulada vem a ser transformada em angústia. Em 1914 declara ser a teoria do recalque [3] a pedra angular sobre a qual repousaria toda a estrutura da psicanálise, sendo essa sua conceitualização advinda do fenômeno clinico da resistência devido ao abandono da hipnose no tratamento catártico da histeria.
Assim nos trás que uma das alterações que uma moção pulsional pode sofrer se daria no encontro com as resistências que o levariam a inoperatividade, passando assim para um estado de recalcamento. Estando em questão o funcionamento de um estímulo externo, a fuga seria a via mais apropriada, porém, para a pulsão, essa fuga não se faria por valer dado que o ego não pode escapar de si próprio. Desse modo o recalcado ficaria marcado como algo entre a fuga e a condenação, uma etapa preliminar dessa.
A suposição de um “recalque primevo” consistiria em negar a entrada no consciente do representante psíquico da pulsão, estabelecendo assim uma fixação na qual esse representante inalterado permaneceria ligado à pulsão devido a processos inconscientes.
Numa segunda fase esse recalque propriamente dito, afetaria os derivados mentais recalcados do representante, ou mesmo suas sucessões de pensamento, entrando em ligações associativas que levariam tais idéias aos mesmos destinos do recalcado primevamente. O que leva a se pensar assim que o recalque se faria como uma força, uma pressão posterior.
As construções freudianas nos levam assim a pensar que o recalque não impediria que o representante pulsional deixasse de existir no inconsciente, se derivando e estabelecendo ligações que mostrariam ainda que o recalque só se faria na relação do representante pulsional com o sistema consciente.
Na técnica psicanalítica, o paciente produzindo derivados do recalcado, através dos emparelhamentos na associação livre, faria com que, mesmo frente ao tempo e as distorções próprias que se possam passar pela censura do consciente, houvesse a possibilidade de surgimento de seus derivados mesmo que remotos e distorcidos.
Nesse processo, desfiando sua meada de associações, o paciente ficaria de encontro com um pensamento em cuja relação com o recalcado fique tão clara que o levaria a tentar repetir o mesmo processo de recalque. Condições essas que se dariam semelhantes aos sintomas neuróticos, dado que são do recalcado derivados e que por meio destes se chegariam à consciência.
A partir do recalque a idéia que representa a pulsão poderia atravessar caminhos que a levaria a desaparecer do consciente, ou mesmo deste se afastar. O fator quantitativo desse representante pulsional poderia assim se apresentar de três diferentes formas: uma na qual a pulsão é suprimida por completo, outra na qual o afeto é qualitativamente marcado, e uma outra na qual esse é transformado em angústia.
Na histeria de angústia, como exemplo, temos o caso analisado de fobia animal do “Homem dos Lobos”, onde:

“A moção pulsional sujeita ao recalque é uma atitude libidinal para com o pai, aliado ao medo dele. Após o recalque esse impulso desaparece da consciência: o pai não aparece nela como um objeto da libido. Substituindo o pai encontramos num lugar correspondente um animal que se presta, de modo mais ou menos adequado, a ser um objeto de angústia. A formação do substituto para a parcela ideacional [do representante pulsional] ocorreu por deslocamento ao longo de uma cadeia de conexões determinada de maneira particular. A parcela quantitativa não desapareceu, mas foi transformada em angústia”. O resultado é o medo de um lobo em vez de uma exigência de amor feita aos pais”. [4]
A construção freudiana vem ainda nos alertar que o recalque nada mais seria que um mecanismo destituído de êxito, que apenas removeria e substituiria a idéia, falhando naquilo que poderia poupar o desprazer, levando a não cessar o trabalho de uma neurose. Assim o que se apresenta seria uma tentativa de fuga, pela formação da fobia, de evitações a impedir a liberação da angústia.
Em resumo, numa primeira fase da teoria freudiana, a partir dos quadros das “neuroses atuais”, a angústia se daria devido à limitação da vida sexual do sujeito, que transformaria a libido sexual não empregada, a libido não vinculada em angústia, no sintoma propriamente. No que diz respeito às psiconeuroses a origem da angústia seria devido aos processos de recalque, onde qualquer afeto após sofrer sua ação, transformaria-se necessariamente em angústia, tal como se observam nos sintomas de fobia, histeria e neurose obsessiva.
As teorias formuladas em 1895 afirmam que haveria uma descarga de uma excitação sexual física acumulada que não obtivera satisfação direta pela relação sexual e que por isso não poderia chegar a ser elaborada psiquicamente.
A angústia estando em um ponto de partida da obra de Freud se esbarra a todo tempo com as elaborações iniciais sobre a neurose, nas quais a neurose obsessiva juntamente com a histeria se definiria como modos de defesa do sujeito ao passo que a fobia, definida como neurose de angústia, remeteria a toda uma teoria energética da libido, a um sintoma da vida sexual.
Assim a partir dessa teoria, a angústia seria a resultante da incidência do recalque sobre o impulso da pulsão, ou seja, o recalque se apoiaria numa moção pulsional fazendo com que surgisse a angústia a partir desse jogo de forças.
Em suas “Conferências Introdutórias Sobre Psicanálise”, Freud ao tratar da teoria geral das neuroses, dedica uma ampla exposição quanto “A Angústia” [5] . Considera ser essa o ponto nodal que vem a convergir para as mais importantes questões, e ainda, um enigma cuja solução inundará de luz toda a existência mental.
Descreve inicialmente dois tipos de angústia, a “realística” e a “neurótica”.
A “angústia realística” seria uma reação à percepção de um perigo externo, de algo esperado ou previsto, ela atrairia nossa atenção como algo muito racional e inteligível. Relacionaria-se ao reflexo de fuga e poderia ser tomada como manifestação de uma pulsão de autopreservação.
Afirma que a angústia – Angst, em alemão – refere-se ao estado, e não considera o objeto, ao passo que o medo – Furcht – chama a atenção precisamente para o objeto, o que o levaria assim a dizer que um sujeito se protege do medo por meio da angústia. Essa angústia seria assim tida como um estado subjetivo em que se é tomado ao perceber o surgimento da angústia, o que Freud nomeia como afeto.
Uma das idéias de Freud, que perpassa todo o texto, no que diz respeito ao afeto da angústia é que esta tem sua origem no nascimento, na separação da mãe. A combinação de sensações desagradáveis, de impulsos de descarga e sensações corporais, viria a se tornar o protótipo de efeitos de um perigo mortal, que teriam sido repetidas por nós como estados de angústia.
Justificaria a isso que o aumento da estimulação de sangue, da respiração interna, foi na época do nascimento, a causa inaugural da experiência de angústia, uma angústia inicialmente tóxica. Como uma conseqüência da situação real, recriaríamos invariavelmente no afeto de angústia esse estado significativo quando ocorrida assim à separação do bebê com a mãe.
Considerando aquilo que concerne a “angústia neurótica”, Freud localiza algumas formas de angústia: a primeira diz de uma apreensão generalizada, uma angústia flutuante, que estaria a se ligar a alguma idéia que seja de algum modo apropriada para esse fim, que estaria aguardando alguma oportunidade que se permitiria justificar enquanto tal. A este estado nomeia de “angústia expectante”, e o define como característico de sujeitos tidos como pessimistas ou muito angustiados, na qual uma considerável cota de angústia compõe o quadro de um distúrbio nervoso, a “neurose de angústia”, que se incluiria entre as neuroses atuais.
Uma segunda forma de angústia seria aquela que estaria vinculada e psiquicamente ligada a determinados objetos ou mesmo situações específicas. Seria a angústia característica dos quadros de fobias, em suas mais diversas formas e apresentações.
A terceira forma de angústia apresentaria-se pelo seu fator enigmático em suas conexões. A angústia se faria na histeria, como acompanhamento dos sintomas histéricos, ou em alguma situação casual de excitação, sem o afeto de angústia propriamente dito. A angústia poderia surgir assim então de modo incompreensível e na forma de acesso isolado.
Aqui Freud pontua que é a partir de ataques espontâneos, que este estado de angústia é passível de fracionamento. O ataque poderia vir a se apresentar por um único sintoma: um tremor, uma vertigem, palpitação ou dispnéia, na qual a sensação pela qual reconheceríamos a angústia poderia estar ausente ou ter se tornado indistinta. Dessa forma nomeia esses fatores como “equivalentes da angústia” dado a se igualar a esta em seus fins clínicos e etiológicos.
Freud a partir de suas constatações clínicas levanta uma série de indícios para a compreensão da angústia neurótica: um no qual não seria difícil de estabelecer relações de que a angústia expectante dependeria de determinados acontecimentos da vida sexual e de certos empregos da libido. E retoma aqui a idéia de que a interrupção do ato sexual seria a causa tão freqüente de neurose de angústia em homens e em mulheres, fato este que se verificaria onde a neurose de angústia desapareceria quando a regularidade sexual se fizesse por cumprir, dado à libido encontrar assim uma descarga satisfatória.
Um outro indício levantado poderia ser encontrado na análise das “psiconeuroses”, em especial da histeria, dado a angústia aparecer freqüentemente junto com os sintomas. Tais processos que se dariam a partir de uma angústia desvinculada manifesta na forma de ataque, ou de alguma outra condição crônica, se faria por vincular nas primeiras fobias que vêem a surgir – como o medo de morrer, enlouquecer ou de ter um ataque.
Quanto aos pacientes acometidos por quadros obsessivos, aparentemente isentos de angústia, Freud lembra que se tentarmos impedir-lhes a execução de seu ato ou ritual, percebe-se claramente serem cometidos por terrível angústia a submeter-se à compulsão. Na neurose obsessiva, assim a angústia é substituída pela formação de um sintoma.
Quanto aos quadros de histeria encontramos uma semelhante relação, onde os resultados dos processos de recalque seriam a formação de uma angústia pura, ou a angústia acompanhada pela formação de um sintoma, ou então uma formação completa de um sintoma sem a angústia.

“Assim, não pareceria ser errado, em sentido abstrato, afirmar que em geral os sintomas são formados para fugir a uma geração de angústia, de outro modo inevitável. Se adotarmos esse ponto de vista, a angústia se coloca por assim dizer, no próprio centro de nosso interesse pelos problemas da neurose”. [6]
Ao tratar da angústia infantil, Freud vê que essa tem menos relação com a angústia realística, do que com a angústia neurótica dos adultos. Adota que esta se deriva da libido não utilizada e substitui o objeto de amor ausente por um objeto externo, ou então por alguma situação.
Quanto à análise das fobias, acredita que a libido não utilizada é transformada em angústia realística, onde um perigo externo, tido como insignificante, é evocado para representar as exigências da libido.
Ao final dessa exposição Freud diz aos seus ouvintes que o problema da angústia ocupa na psicologia das neuroses, um status tido como central dado à forma dos processos de geração de angústia frente às vicissitudes da libido e ao sistema inconsciente.
Nessa primeira fase de suas investigações, Freud defendeu a tese de que a libido não descarregada é que geraria angústia, ou seja, que a angústia seria uma transformação da libido excedente.
A angústia envolvida em todos os processos comprovaria a tese de Freud de que o recalque, mecanismo característico da histeria, da neurose obsessiva e das fobias, daria origem à angústia. Assim os sintomas se formariam com o intuito de fugir da geração de angústia. Num segundo tempo, o que veremos no capítulo a seguir, Freud não mais afirma tais considerações, postulando que seria a situação traumática que provocaria a angústia.

SEGUNDA TEORIA DA ANGÚSTIA

Em seu artigo publicado em 1920, Freud chama atenção para aquilo que vem a estar para “Além do Princípio do Prazer”, dedicando especial atenção para a “compulsão à repetição”, atribuindo a esta o caráter de uma pulsão. Apresenta uma elaboração inicial e a dicotomia que envolve as pulsões de vida e de morte, o que em relação ao problema da destrutividade vem a se caracterizar de um modo muito mais intenso a partir de então.
Toma como ponto de partida a tese de que os eventos mentais estariam regulados pelo “princípio do prazer”, que o curso dos eventos são colocados em movimento por uma tensão desagradável que vem a tomar uma direção tal, e que seu resultado final coincidiria com a redução dessa tensão, com uma evitação de desprazer ou uma produção de prazer.
Relaciona assim, o prazer e o desprazer, à quantidade de excitação do aparelho mental, mas que não se encontraria de maneira alguma vinculada, os relaciona de modo que o desprazer seja um aumento da quantidade de excitação e o prazer a uma diminuição.
Ao se pensar na dominância do princípio do prazer na vida mental toma a hipótese de que o aparelho mental se esforça por manter baixa a quantidade de excitação nele presente, ou ao menos por mantê-la constante. Quando aumentada essa quantidade de excitação tal adversidade do aparato psíquico seria sentida como desagradável.
Mas frente a essa dominância do princípio do prazer, Freud marca que seria incorreto pensar sobre esse curso nos processos psíquicos, dado que diante de sua ocorrência a maioria desses processos teriam de ser acompanhados pelo prazer ou então conduzir a ele, o que a experiência geral – manifestada nos sonhos traumáticos, nas brincadeiras infantis e na própria repetição transferencial – contradiz uma conclusão desse tipo, e observa situações em que essa dominância do princípio do prazer não vigora, não funcionando de acordo com tal princípio, ficando portanto à revelia de algo além de um princípio de prazer.
Em relação à angústia percebe que esta descreveria um estado particular de se esperar o perigo ou então de preparar-se para ele, mesmo que desconhecido. O medo exigiria um objeto definido de que se tenha temor, ao passo que o susto seria o estado quando se entra em perigo sem se estar preparado para ele, enfatizando o fator surpresa.
Atribui assim especial importância à ocorrência do susto, o qual se dá pela falta de preparação para a angústia e pela falta de investimentos dos sistemas que seriam os primeiros a receber tal estímulo.
Freud vai imaginar uma vesícula viva provida de um escudo protetor contra os investimentos do mundo externo, um tipo de membrana especial diferenciada, como um órgão para a recepção de estímulos do exterior. Descreve como traumáticas as excitações provindas de fora que fossem suficientemente poderosas para atravessar o escudo protetor. Tal acontecimento viria a provocar uma acumulação de excitação, um distúrbio em grande escala no funcionamento do organismo colocando em movimento todas as medidas possíveis de defesa.
Frente a tal invasão e a conseqüente ruptura do escudo protetor a energia investida seria convocada para fornecer investimentos ainda mais poderosos para os arredores da ruptura, onde um grande contra-investimento se estabeleceria empobrecendo as outras partes do sistema, reduzindo e até mesmo paralisando suas funções remanescentes.
Assim um sistema altamente investido seria capaz de receber um influxo de energia nova e de convertê-lo em um “investimento quiescente”, vinculando-o psiquicamente: quanto maior o investimento quiescente do sistema maior seria sua força vinculadora, ao passo que, quanto mais baixo o investimento, menor capacidade haveria para receber o influxo de energia e maiores seriam as conseqüências do trauma na ruptura do escudo.
Sendo o “trauma” o rompimento do escudo protetor e a “angústia” a acumulação de excitação no interior do aparelho, Freud pensa que a compulsão à repetição seria aquilo a estar além do princípio do prazer. Toma de exemplo que os elementos processados nos sonhos traumáticos seriam formas de vincular psiquicamente, a partir da angústia, tal fluxo de excitações apresentadas como excessivas e sem representações.
Na articulação da angústia com a situação traumática, Freud percebe que a angústia surgiria como uma reação a um estado de perigo, sendo produzida sempre que este estado se repete. A angústia, dessa forma poderia surgir de duas maneiras: uma frente à situação de perigo e noutra com a função de se enviar um sinal e impedir que tal situação ocorra novamente. No caso da angústia sinal, aquilo temido se refere à ocorrência de um trauma, à desorganização psíquica que todo o trauma ocasionaria.
Em seu artigo de 1925, “Inibições, Sintomas e Angústia”, Freud descreve que a “inibição” tem uma relação especial com a função, não tendo necessariamente uma implicação patológica, dado que a inibição é uma restrição normal de uma função. Quanto ao “sintoma” afirma que este trás a presença de um processo patológico. Considera ainda que a inibição pudesse vir a ser também um sintoma.
Ao tratar das terminologias lingüísticas mostra que a palavra inibição remeteria a termos que envolvessem uma simples redução de uma função, e sintoma quando uma função passou por alguma modificação excepcional, ou então, quando uma nova manifestação surgiu desta. Freud percebe que existe uma relação direta entre a inibição e a angústia, dado que algumas inibições representam o abandono de uma função ao passo que sua prática produziria angústia.
Entende que a inibição é a expressão de uma função do ego, uma restrição que, segundo ele pode ter causas muito diferente. Exemplifica que a função do ego de um órgão fica prejudicada se a sua erotogeneidade – a sua significação sexual – for aumentada. Trás que o ego renuncia a essas funções, que se acham dentro de seu campo, a fim de não ter de aceitar novas medidas de recalque, ou seja, a fim de evitar entrar em conflito com o id.
Um sintoma seria assim um sinal de um substituto de uma satisfação pulsional que teria permanecido em estado estacionário, algo da ordem de uma conseqüência do processo de recalque. O qual se processaria a partir do ego quando este se recusaria a se associar com um investimento pulsional que fora provocado no id.
Quanto à questão de como a satisfação de uma pulsão poderia produzir desprazer, adota que como resultado do recalque, o pretendido curso do processo excitatório no id não ocorreria, o ego conseguiria inibi-lo, ou então mudaria de sua posição natural.
O recalque seria o equivalente dessa tentativa de fuga, onde se retira a catexia do pré-consciente do representante pulsional, que deve ser recalcado, e utiliza essa catexia para a finalidade de liberar o desprazer, a angústia propriamente dita.

“O problema de como surge à angústia em relação ao recalque pode não ser simples, mas podemos legitimamente apegar-nos com firmeza à idéia de que o ego é a sede real da angústia, e abandonar nosso ponto de vista anterior de que a energia catexial do impulso recalcado é automaticamente transformada em angústia. Se eu me expressasse antes no segundo sentido, estaria dando uma descrição fenomenológica e não um relato metapsicológico do que me ocorria”. [7]
Temos aqui uma virada na teoria freudiana no que diz respeito à angústia e a formação dos sintomas, onde a angústia não é criada novamente no recalque, mas sim, reproduzida como um estado afetivo de conformidade a uma imagem mnêmica já existente.
A maior parte dos processos de recalque com as quais se tem de lidar no processo terapêutico são casos de “pressão posterior” como pontua Freud, pressupondo que a atuação de recalques primitivos mais antigos exerçam atuação sobre as situações mais recentes. Coloca a partir disso que as primeiras irrupções de angústia, que são de caráter muito intenso, ocorrem antes de o superego tornar-se diferenciado.
Relembra-nos ainda que o recalque ocorreria em duas situações diferentes, uma onde a moção pulsional indesejável seria provocada por uma certa percepção externa, e outra que surge internamente sem qualquer provocação. Freud nos coloca que no recalque, o fato mais decisivo estaria em ser o ego uma organização, ao contrario do id. O ego seria na realidade a parte organizada do id.
A parte inicial do processo de recalque é acompanhada por uma seqüência longa na qual a luta contra a moção pulsional se arrasta até mesmo numa luta contra ao sintoma.
Freud estabelece o ego como uma organização, baseando-se na manutenção livre do intercâmbio e da possibilidade de influência recíproca entre todas as suas partes. Sua energia dessexualizada mostra traços de sua origem em seu impulso de agregação, necessidade de síntese que se torna mais forte à medida que o ego aumenta.

“Portanto, é natural que o ego deva tentar impedir que os sintomas permaneçam isolados e alheios utilizando todos os métodos possíveis para agregá-los a si de uma maneira ou de outra, e para incorporá-los em sua organização por meios desses vínculos. Como sabemos, uma tendência dessa natureza já se acha atuante no próprio ato de formação de um sintoma”. [8]
Neste mesmo artigo, Freud faz considerações importantes quanto à constatação dos processos de angústia e das formações dos sintomas. Um deles concerne ao inexplicável medo do “Pequeno Hans” por cavalos, que seria o sintoma, e sua incapacidade de sair à rua, um processo de inibição, uma restrição que o ego da criança impusera a si próprio a fim de não despertar o sintoma da angústia.
Quanto à fobia do “Pequeno Hans” o que teria transformado essa sua reação emocional em uma neurose, afirma Freud, seria apenas a substituição do “pai” por um “cavalo”, um deslocamento, que poderia ser denominado de sintoma. Freud equipara três casos distintos de sua clínica com o objetivo de melhor elucidar as questões impostas, o caso do “Pequeno Hans”, do “Homem dos Lobos” e o caso do “Homem das Especiarias”.
Nesses casos, enuncia que a força motriz de todo o processo de recalque nada mais seria do que a “angústia da castração”, onde os conteúdos ideativos em suas angústias – a de ser mordido por um cavalo, a de ser devorado por um lobo e a de ser comido, respectivamente – seriam substitutos por distorções da idéia de serem castrados pelo pai, a idéia que sofreu o recalque. Notamos assim o caráter estruturante apresentado pela angústia de castração.
No caso do “Pequeno Hans” o afeto da angústia, que era a essência de sua fobia, não veio do processo de recalque nem das catexias libidinais dos impulsos recalcados, mas exatamente do agente repressor. A angústia pertencente à fobia animal se daria como um medo transformado de castração, um medo realístico, onde foi a angústia que produziu o recalque, e não o recalque que teria produzido a angústia como anteriormente pensado.
Freud assim postula um outro rumo em sua teoria, a partir dessas inflexões, onde a angústia sentida em fobias animais seria o medo de castração do ego, e pontua que a angústia sentida nos casos de “agorafobia” parece ser medo do desejo sexual, medo que poderia estar ligado às origens do medo de castração. Toma a direção de que sempre a atitude de angústia do ego seria o elemento primário e que poria em movimento o recalque, onde a angústia jamais viria a surgir da libido recalcada.
Dando continuidade as suas contextualizações propõem que existem muitas neuroses que não apresentam qualquer angústia, sendo a “histeria de conversão” um exemplo claro disto, onde mesmo em seus sintomas mais graves não se encontrariam quaisquer resquícios de angústia. Fato que por si só o faz não estabelecer uma ligação direta entre a angústia e a formação dos sintomas.
Ao passar pela análise da histeria, da fobia e da neurose obsessiva, Freud vê que todas são resultados da destruição do complexo de Édipo, e ainda que, em todas elas a força motora da oposição do ego é de fato o medo da castração.
Logo que o ego reconhece o perigo da castração, emite um sinal de angústia que inibe através da instância prazer-desprazer o processo catexial do id, isso ao mesmo tempo em que desencadeia o processo fóbico. A angústia de castração seria dirigida para um objeto outro e se expressaria de forma distorcida, de modo que o sujeito temesse ser mordido por um cavalo, devorado por um lobo, como em seus exemplos, ou o que quer que seja.
Essa “formação substitutiva” evita de início um conflito devido à ambivalência, dado o pai ser também um objeto amado, e ainda permite ao ego deixar de produzir angústia, já que a angústia que pertence a uma fobia é condicional, surgindo apenas quando o objeto dela é percebido.
Assim não é necessário temer a castração de um pai que não se encontra ali, porém o sujeito não pode livrar-se de um pai, mas pode substituí-lo por um animal, a fim de se livrar do perigo e conseqüentemente da angústia. O caso do “Pequeno Hans” reflete bem isso quando ele produz uma inibição de não sair de casa, de modo a não se deparar com o cavalo.
Essa reação afetiva por parte do ego ao perigo – o perigo da castração – não difere em nenhum aspecto da angústia realística que o ego sente em situações de perigo, salvo que seu conteúdo permanece inconsciente e apenas de forma consciente sob a forma de distorção.
“A angústia é uma reação a uma situação de perigo. Ela é remediada pelo ego que faz algo a fim de evitar essa situação ou para afastar-se dela. Pode-se dizer que se criam sintomas de modo a evitar a geração de angústia, mas isso não atinge uma profundidade suficiente. Seria mais verdadeiro dizer que se criam sintomas a fim de evitar uma situação de perigo cuja presença foi assinalada pela geração da angústia. Nos casos que examinamos, o perigo em causa foi o de castração ou algo remontável a castração”. [9]
Acerca daquilo constatado em sua clínica sobre a estrutura das neuroses na vida cotidiana considera que parece ser muito improvável que uma neurose surja apenas por causa da presença objetiva do perigo, desconsiderando as participações dos níveis mais profundos do aparelho psíquico.
A partir disso Freud assinala que a castração pode ser representada em relação a cada objeto pulsional com base na experiência diária das fezes que estão sendo separadas do corpo, remete ainda tal idéia à perda do seio da mãe no desmame. Adere à idéia de que o “medo da morte” deva ser considerado como análogo ao “medo da castração”, dado a reação na qual o ego estaria reagindo de ser abandonado pelo superego protetor.
Coloca-se a angústia sobre um novo prisma, onde esta considerada até então como um sinal afetivo de perigo, de castração, ela nos parece ser uma reação a uma separação, a uma perda. Recorrendo desde já às divergências que poderiam surgir quanto a este ponto de vista Freud relembra que a experiencia da angústia pela qual passa um indivíduo no nascimento é na verdade uma separação, a “separação da mãe”.
Sobre o sentimento da angústia Freud faz duas considerações: uma onde seu caráter de desprazer teria um aspecto muito próprio, porém não muito óbvio dado à dificuldade de se provar sua presença, mas que se encontraria certamente.
Afirma assim que a angústia seria um estado especial de desprazer com atos de descarga ao longo de caminhos específicos, retomando, portanto a experiência prototípica do nascimento. Pensa na angústia como um produto do desamparo mental, um símile natural do desamparo biológico da criança. Ao postular o surgimento da angústia pensa em duas vias: uma que se dá de forma excessiva e inadequada frente a uma situação de perigo e outra a fim de proporcionar um sinal que impeça a ocorrência de tal situação.
Freud afirma que o ego seria a sede real da angústia, dado que não haveria razões para se atribuir qualquer manifestação de angústia ao superego. Vem a frisar que a angústia seria um estado afetivo e que como tal só poderia ser sentida pelo ego, sendo que o Id poderia ser alterado, ativando um das situações de perigo para o ego que o induziria a emitir um sinal de angústia para que a inibição venha se instaurar.
Tais processos poderiam ser análogos à situação traumática do nascimento, afirma Freud e que estas poderiam se estabelecer no Id seguindo-se de uma reação automática de angústia e um conseqüente afastamento do ego frente ao perigo. Sendo assim para afastar a angústia inicial o ego se organizaria na busca do prazer, numa manifestação e num movimento de busca imaginária de satisfação.
Considerando as relações entre as formações de sintoma e o processo de origem de angústia sustenta duas opiniões, uma na qual a angústia seria um sintoma da neurose. A outra de que existiria uma relação mais ampla entre os processos, onde os sintomas só se formariam a fim de evitar a angústia reunindo a energia psíquica que seria até então descarregada como angústia. Aqui teríamos o fenômeno fundamental e a questão principal da neurose, onde toda a inibição que o ego imporia a si próprio poderia ser denominada de sintoma.
Ainda em “Inibições, Sintomas e Angústia” Freud faz algumas asserções curiosas quanto ao afeto de angústia. Apresenta que este tem inegável relação com a expectativa e é sempre angústia por algo, dada ter ainda uma qualidade de indefinição e falta de objeto. Contudo afirma que em um modo mais preciso se usa o termo medo – Furcht – de preferência a angústia – Angst – tendo encontrado um objeto que seja.
Buscando entender tais processos vem a marcar que o verdadeiro perigo seria o perigo daquilo que se faz de conhecido, sendo a angústia realística a angústia por um perigo conhecido – ao passo que a angústia neurótica viria a ser por algo desconhecido.
O perigo neurótico dessa forma passaria por campos que ainda terão de ser descobertos e isso a análise revelaria se tratar de um perigo pulsional. Levando esse perigo que seria desconhecido do ego até a consciência, o analisante operaria com a angústia neurótica e a angústia realística do mesmo modo. Com isso nota que ambas estariam mescladas, dado que a própria análise revela que o perigo real, conhecido, se acha ligado a um perigo pulsional desconhecido.
Ao fazer algumas considerações referentes à angústia, a dor e ao luto, Freud pergunta-se quanto à experiência de perda, quando que esta conduziria à angústia ou ao luto? Exemplifica com o caso de uma criança separada da mãe e afirma que aquela não pode ainda diferenciar entre a ausência temporária e a perda permanente. Afirma que:

“A situação traumática de sentir falta da mãe difere num aspecto importante da situação traumática do nascimento. No nascimento não existia qualquer objeto e dessa forma não se podia sentir falta alguma deste. A angústia é a única reação que ocorreria. A dor é assim a reação real a perda de objeto, enquanto a angústia é a reação ao perigo que essa perda acarreta e, por um deslocamento ulterior, uma reação ao perigo da perda do próprio objeto”. [10]
Quanto ao luto, postula que esse ocorre sob a influência do “teste de realidade” dado que uma de suas funções vem a exigir que o sujeito venha a se separar do objeto, dado que este não mais existe. Isso seria o que o luto viria a marcar, a tarefa de efetuar a retirada do objeto frente às situações nas quais ele teria sido o recipiente de elevado grau de catexia.
“Inibições, Sintomas e Angústia” marca o fim da teoria inicial que sustentava ser a angústia libido transformada, postulando agora ser a angústia uma reação sobre um modelo específico da situação de perigo.
Em uma de suas conferências proferidas em de 1933, intitulada “Angústia e a Vida Pulsional”, Freud faz uma revisão de toda a teoria construída até então sobre o afeto de angústia e sua relação com as formações dos sintomas e as pulsões.
Reforça que não era o recalque que criava a angústia, dado que a angústia já existia antes, e sim que era a angústia que agenciava o recalque. Volta a pontuar que o temor à castração seria um dos motivos mais comuns e mais fortes para o recalque, e assim para a formação das neuroses.
Com isso reformula a antiga teoria e percebe assim que a angústia aciona o recalque e não o oposto, como se pensava anteriormente. Com relação à angústia advinda com o nascimento, marca que a situação pulsional temida vem a remontar de uma situação de perigo externo.
Continua a frisar que o essencial no nascimento, assim como nas demais situações de perigo, seria que estas viessem a imprimir na experiência psíquica uma cota de intensidade, que seria sentida como desprazer e que não se daria à possibilidade de descarga. Um estado desse tipo, o qual o princípio do prazer não teve êxito viria a se constituir em um “momento traumático”.
Frente à angústia neurótica, a realística e a situação de perigo percebe-se que aquilo temido – o objeto da angústia – seria a emergência de um “momento traumático”, que não poderia ser contrastado com as regras normais do princípio do prazer.
A própria experiência clínica viria a confirmar que seriam os recalques posteriores que mostrariam o mecanismo de que a angústia seria despertada como sinal de uma situação de perigo prévia. Esses recalques posteriores surgiriam diretamente de momentos traumáticos quando o ego viria a enfrentar uma exigência libidinal demasiadamente forte.
Assim a angústia seria formada, mais uma vez a partir do momento do nascimento, o que também se aplicaria à formação da angústia da “neurose de angústia”, devido o prejuízo somático causado à função sexual.

“Não mais sustentamos ser a libido que é transformada em angústia, em tais casos. No entanto, não posso ver como objetar contra a existência de uma dupla origem da angústia – uma, como conseqüência direta do momento traumático, e a outra, como sinal que a ameaça com uma repetição de um tal momento”. [11]
Assim Freud vem a abandonar o último vestígio de sua teoria antiga quanto à idéia de que a angústia da “neurose de angústia” adviria de um excedente da libido não utilizada.
Em suas inflexões iniciais, Freud postula ser a angústia a resultante do recalque sobre a moção da pulsão. Nessa primeira teoria o recalque se opõe à moção pulsional e o efeito de todo esse jogo de forças é a angústia que se articula numa elaboração secundária que se denomina sintoma, uma formação de compromisso, a qual Freud vem a chamar de defesa secundária contra a angústia. Assim de acordo com a primeira teoria a angústia eqüivaleria, em parte, ao sintoma, onde haveria sempre um resto de angústia que escapa.
Marca inicialmente que a angústia realística seria uma reação frente a um perigo externo e que a angústia neurótica seria enigmática e sem propósitos. Freud vem a postular na segunda teoria que a angústia se originaria a partir de duas situações: uma frente a uma situação de perigo e outra na qual a angústia se originaria a partir da situação traumática.
A partir desse trauma essa “angústia traumática” teria como seu determinante fundamental uma situação de desamparo que se daria por parte do ego frente ao acúmulo de excitação interna ou externa, que não se poderia lidar ou mesmo suportar.
A angústia sinal se daria como disparador que acionaria o recalque contra a moção pulsional cujo resultante seria o sintoma. O sintoma, assim, não se faria como uma formação de compromisso que responderia a presença da angústia, mas sim como uma elaboração primária, uma solução ao problema da satisfação pulsional.
A angústia enquanto sinal seria a resposta do ego à ocorrência de uma situação de perigo, quaisquer que sejam: no nascimento, a perda da mãe como um objeto; na castração, a ameaça ou a perda do pênis; a perda do amor do objeto, ou mesmo a perda do amor do superego, que poderiam conduzir a um acúmulo de desejos insatisfatórios e a uma situação de desamparo.
Na segunda parte de nosso trabalho buscaremos articular as atuais configurações clínicas que buscam regular e suturar os sintomas e o mal-estar do sujeito através de substancias neuroquímicas. Discutiremos ainda às novas demandas e interesses do homem da contemporaneidade pelas soluções científicas, dentro daquilo que temos por uma nova economia psíquica atrelada a um discurso econômico e político.

DESAMPARO E MAL-ESTAR

Você apenas lembra uma ilusão, mas houve muitas outras antes”.
Platão, em Diálogos

Após um breve percurso pela teoria freudiana, suas formulações e reformulações apresentadas nos capítulos anteriores, notamos que a angústia seria um substituto frente ao desamparo, onde surgida originalmente como reação a um estado de perigo, esta seria reproduzida sempre que este estado viesse se repetir.
A partir de 1927, Freud em “O Futuro de uma Ilusão” faz menção a aquilo que talvez fosse o item mais importante do inventário psíquico de uma civilização, item este que consistiria em sentido mais amplo, os ideais religiosos – as ilusões.
Postula que em relação às prerrogativas religiosas, a situação não se faria de nova, possuiria um “protótipo infantil”, o qual na realidade seria somente uma continuação, dado que em outros tempos teríamos nos encontrado em semelhante estado de “desamparo”, tal como as crianças em tenra idade com relação aos seus progenitores.
A religião sustentaria uma tríplice missão: de exorcizar os temores da natureza, de reconciliar os homens com a crueldade do destino, particularmente com a morte, e ainda compensá-los pelos sofrimentos e privações que a civilização impõe. Dessa forma se criou um conjunto de idéias nascido de necessidades com objetivos de tornar tolerável o desamparo de uma existência, idéias estas construídas com o material das lembranças do desamparo da própria infância.
Tais crenças proclamadas como ensinamentos não constituiriam precipitados de experiências, ou mesmo resultados finais de pensamentos, mas sim “ilusões”, realizações dos mais fortes, antigos e prementes desejos do homem.

“O segredo de sua força reside na força desses desejos. Como já sabemos, a impressão terrificante de desamparo na infância despertou a necessidade de proteção – de proteção através do amor –, a qual foi proporcionada pelo pai; o reconhecimento de que esse desamparo perdura através da vida tornou necessário aferrar-se à existência de um pai, dessa vez, porém um pai mais poderoso”. [12]
Assim vem a legitimar que uma ilusão não é o mesmo que um erro, e o que é o mais característico das ilusões é o fato de se derivarem de desejos. Pontua como fato o estado de coisas no qual a religião vem a perder espaço sobre as massas, frente ao efeito de todo o progresso científico.
Argumenta que os homens são completamente incapazes de passar sem a consolação da ilusão religiosa, não podendo sem ela suportar as dificuldades da vida e da realidade. Sustenta que aqueles que não percorrerem pela via da religiosidade, deveriam se firmar frente à situação difícil de admitir para si mesmos, toda a “extensão de seu desamparo” e “insignificância frente ao universo”.
Acredita ser possível ao trabalho científico conseguir um certo grau de conhecimento da realidade do mundo, conhecimento esse que nos levaria a aumentar nosso poder e a organizar nossas vidas.
Em 1930 é publicado “O Mal-estar na Civilização”, livro de Freud, que vai tratar principalmente do antagonismo entre as exigências pulsionais e as restrições da cultura.
Inicialmente Freud retoma ao seu esquema primevo, acredita que o ego do adulto não tem sido o mesmo desde seu início. Que uma criança recém-nascida não distingue seu ego do mundo externo como uma fonte de sensações que sobre ela fluem. Assim aprende gradativamente a fazê-lo reagindo aos estímulos.
Pensa que a criança deva ficar impressionada por certas fontes de excitação que proveriam de seu próprio corpo, ao passo que outras lhe escapariam, nessas se destacariam o seio materno, por exemplo, que só apareceria frente aos gritos de fome. Assim pela primeira vez, o ego é contrastado por um “objeto”, que na forma que existe exteriormente de seu corpo é retornado a surgir através de uma ‘invocação especial’, um produto do desamparo psíquico da criança, um indicativo de todo seu desamparo biológico.
Surgiria então, uma propensão a isolar do ego tudo aquilo que poderia vir a se tornar fonte de prazer, lançando para fora e criando um puro ego em busca de prazer, que sofreria um confronto de um exterior estranho e ameaçador.
Os limites do primitivo ego, em busca de prazer, não fugiriam a uma retificação através da experiência, porém algumas das coisas difíceis de serem abandonadas, por proporcionarem prazer, não viriam do ego propriamente, mas do objeto, e certos sofrimentos dos quais se buscariam extirpar mostrar-se-iam inseparáveis do ego, devido à origem interna.
Através desse esquema se daria o primeiro passo no sentido de introdução do “princípio de realidade”, que deve vir a dominar o desenvolvimento futuro. Diferenciação essa que serve a finalidade de nos capacitar para a defesa contra sensações de desprazer que sentimos, ou pelas quais somos ameaçados.
Com a finalidade de se evitar excitações desagradáveis advindas do interior, o ego utilizaria métodos próprios para lutar contra o desprazer advindo do exterior. Aqui Freud assevera que esse seria o ponto de partida de importantes distúrbios patológicos.
Dessa maneira então o ego se separaria do mundo externo, ou melhor, aquele ego que incluía tudo, que seria “um, o todo”, inicialmente pleno, posteriormente separaria de si o mundo externo.
A partir dessa configuração, o papel desempenhado por um “sentimento oceânico”, como menciona Freud, algo tido como uma “plenitude”, poderia vir buscar a restauração do narcisismo ilimitado que foi um dia deslocado de um lugar em primeiro plano. Assim a atitude religiosa poderia ser remontada a partir dessa busca, advinda do desamparo infantil.

“A vida tal qual a encontramos, é árdua demais para nós; proporciona-nos muitos sofrimentos, decepções e tarefas impossíveis. A fim de suportá-la não podemos dispensar medidas paliativas”. [13]
Desse modo, acredita que não poderíamos suportar a existência sem passar por construções auxiliares, e que existiriam três medidas desse tipo: as primeiras seriam os “derivados poderosos” que nos fariam extrair luz de nossa desgraça, outras, as satisfações substitutivas que as diminuiriam e ainda as substancias tóxicas que nos tornariam insensíveis.
As satisfações substitutivas, como por exemplo, às oferecidas pela arte, seriam ilusões frente à realidade, o que não se mostraria menos eficaz, graças ao papel que a fantasia assume em nossas vidas. As substâncias tóxicas influenciam nosso corpo e alterariam toda a bioquímica. Assim confessa Freud, que não seria simples perceber onde a religião encontraria seu lugar nessa série.
Pontua que o propósito da vida humana sempre foi levantado como questão, porém nunca respondido de fato, sendo que para alguns, se fosse demonstrado que a vida não tem finalidade, essa perderia todo seu valor, o que só a religião seria capaz de resolver, oferecendo um sentido.
Em termos psíquicos, postula que o decisório no propósito da vida é o programa do “princípio do prazer”, que domina o aparelho psíquico desde o início. Aquilo chamado de “felicidade”, no sentido mais restrito proviria de satisfações repentinas de necessidades represadas em alto grau, sendo possível apenas ser sentida como uma manifestação episódica. Quando as situações desejadas pelo princípio do prazer se prolongam, elas se fariam tão somente por um leve contentamento, assim nossas possibilidades de felicidade seriam sempre restringidas por nossa própria constituição.
Enquanto a infelicidade seria muito mais fácil de experimentar, dado que o sofrimento nos ameaçaria: a partir de nosso próprio corpo condenado à decadência, que não poderia dispensar o sofrimento e a angústia, como sinais de advertência; a partir do mundo externo que pode voltar-se contra nós com suas forças de destruição; e de nossas relações com os outros homens. Assim o próprio princípio do prazer, sob a influência do mundo externo viria a se transformar no mais modesto “princípio de realidade”.

“O mais grosseiro, embora também o mais eficaz, desses métodos de influência é o químico: a intoxicação. Não creio que alguém compreenda inteiramente seu mecanismo; é fato, porém, que existem substancias estranhas, as quais quando presentes no sangue ou nos tecidos, provocam em nós, diretamente, sensações prazerosas, alterando, também, tanto as condições que dirigem nossa sensibilidade, que nos tornamos incapazes de perceber impulsos desagradáveis”. [14]
A tarefa prestada pelas substâncias intoxicantes na busca pela felicidade e no afastamento do desprazer é apreciado como um benefício, tanto por indivíduos, como por povos que lhes concedem um lugar permanente na economia de sua libido. Tais veículos além de produzirem um prazer imediato, fornecem um alto grau de dependência do mundo interno, dado que com esse auxílio é possível se afastar das pressões da realidade, encontrando um refúgio no próprio mundo.
Continua, afirmando que, o sentimento de felicidade derivado de uma selvagem moção pulsional não domada pelo ego é mais intenso que o derivado de satisfação de uma pulsão que já foi domada.
Assegura que cada um de nós se comporta como um paranóico, corrigindo os aspectos do mundo que lhe é insuportável pela elaboração de um desejo, introduzindo o delírio na realidade. Fornece grande importância à tentativa de se obter uma certeza de felicidade, e uma proteção contra o sofrimento – um remodelamento delirante da realidade – fato no qual as religiões da humanidade deveriam ser classificadas como “delírios de massa”. Postula ser desnecessário dizer que ‘todo aquele que partilha um delírio jamais o reconhece como tal’.
Considera o “amor” como um dos métodos de se encontrar a felicidade, onde se localizaria a satisfação dos processos psíquicos internos, utilizando assim o deslocamento da libido para um objeto, proporcionando a experiência mais intensa de prazer, e fornecendo um modelo de busca de felicidade.
O programa imposto pelo princípio do prazer, de se tornar feliz, não poderia ser realizado, dado que caminhos diferentes seriam tomados nessa direção, afirma Freud, concedendo prioridades tanto aos aspectos positivos, de obter prazer, quanto aos negativos de evitar o desprazer. Nenhum desses caminhos nos levaria a tudo aquilo que desejamos, sendo a felicidade, no sentido reduzido que a conhecemos, um problema de economia da libido do indivíduo.
No que concerne à problemática cultural, considera que a substituição do poder do indivíduo, dos próprios interesses e moções pulsionais, pelo poder de uma comunidade constitui o passo decisivo de uma civilização.
A sublimação da pulsão constituiria um aspecto evidente do desenvolvimento cultural, que possibilitaria as atividades psíquicas, como as científicas, as artísticas, ideológicas e tantas outras. Assim a sublimação poderia vir a se constituir como uma vicissitude imposta às pulsões pela civilização, o que é impossível desprezar até o ponto no qual a civilização é construída sobre uma renúncia a pulsões poderosas, de sua não satisfação, seja pela opressão, pelo recalque, ou algum outro meio.
A partir do que é investigado pela clínica e no presente trabalho, Freud percebe que:

“O neurótico cria em seus sintomas satisfações substitutivas para si, e estas ou causam sofrimento em si próprias, ou tornam-se fonte de sofrimento pela criação de dificuldades em seus relacionamentos com o meio ambiente e a sociedade a que pertence. Esse último fato é fácil de compreender; o primeiro nos apresenta um novo problema. A civilização, porém, exige outros sacrifícios, além do da satisfação sexual”. [15]
Em conseqüência da inclinação à agressão, e da mútua hostilidade primária dos seres humanos, a sociedade civilizada se vê permanentemente ameaçada de desintegração, dada serem as paixões pulsionais mais fortes que os interesses comuns a todos. O que vem a esclarecer a restrição à vida sexual, e ainda, o mandamento de “amar o próximo como a si mesmo”, mandamento que é justificado pelo fato de não ser original ao homem. Freud avalia que a partir dessas idéias, haja a possibilidade de unir um grupo de pessoas no amor, conquanto sobrem outros pelos quais recebam a manifestação de agressividade.
Dividindo as pulsões em dois grupos: as “pulsões eróticas ou de vida” que buscariam agregar, conjugar cada vez mais as substâncias vivas e as “pulsões de morte” que se oporiam a esta e levariam o que está vivo de volta a um estado inorgânico, Freud reconhece dessa forma duas pulsões básicas e atribui a cada uma delas sua própria finalidade.
Os fatos acima levantados somados às idéias de punição são de grande importância para a clínica, dada ser a necessidade de punição o pior inimigo do trabalho terapêutico, o que assegura Freud:

“Ela obtém satisfação no sofrimento que está vinculado a neurose, e por essa razão afere-se à condição de estar doente. Parece que esse fato, uma necessidade consciente de punição, faz parte de toda doença neurótica”. [16]
Buscando rever a relação estabelecida entre o ego e o inconsciente é que Freud percebe a necessidade de punição. Pensa não existir dúvidas quanto à “necessidade inconsciente de punição”, que teria a mesma origem da consciência, e que corresponderia à parcela de agressividade que foi internalizada e assumida pelo superego.
Teoricamente afirma ter dúvida quanto a aceitar a suposição de que toda agressividade que retornaria do mundo externo seria ligada pelo superego, e conseqüentemente, voltada contra o ego; ou então, se deve supor que uma parcela da mesma estaria por exercer uma atividade “muda e sinistra” sob a forma de uma pulsão destrutiva livre no ego e no id.
Postula ser a segunda idéia mais aceita, dado que quando o superego foi instituído pela primeira vez, ao se equiparar, este usou a parcela da agressividade infantil dirigida contra os pais, sendo que lhe foi impossível efetuar uma descarga para fora, devido à fixação erótica e frente às imposições externas. Assim afirma ser possível que quando há ocasiões para suprimir a agressividade, a pulsão possa tomar o mesmo caminho aberto em tal momento decisivo.
Dessa forma é que as pulsões agressivas tornam difícil a vida dos homens em comunidade e ameaçam sua sobrevivência, onde a restituição à agressividade do indivíduo seria o primeiro e o maior sacrifício que exige a civilização.
O superego, assim, que toma conta das pulsões agressivas se armaria contra as regiões inclinadas ao conflito, e ainda não se sentiria confortável a ser sacrificado frente às necessidades da sociedade. Isso ao ter de se submeter às tendências destrutivas da agressividade que poderia empregar, e com satisfação, contra os outros. Freud afirma ainda que as “pulsões agressivas” nunca estão sozinhas, mas sim sempre unidas às “pulsões eróticas”, que teriam muito que atenuar e muito a resistir sob as condições que a civilização criou.
Uma questão que veio chamar a atenção de Freud foi a que diz respeito aos meios pelos quais a civilização vem a inibir essa agressividade. Adota que, economicamente, essa agressividade é introjetada e internalizada, sendo de volta enviada para o ego. A tensão entre o rigoroso superego e o ego, que a ele se acha sujeito seria tida como um “sentimento de culpa”, algo da forma de uma necessidade de punição, através da qual, a civilização viria a dominar esse desejo de agressão do indivíduo. O superego assim atormentaria o “ego pecador” com o mesmo sentimento de angústia, ficando à espera de ocasiões para fazê-lo ser punido pelo mundo externo.
Quanto às origens do sentimento de culpa afirma duas possibilidades: uma surgir do medo de uma autoridade e na conseqüente renúncia das satisfações substitutivas, e outra posterior, que surge a partir da necessidade de punição dado a continuação dos desejos proibidos persistirem, não se esquivando do superego, das exigências da consciência – o cristianismo aqui se torna um bom exemplo.
Desse modo uma ameaça de infelicidade externa – perda de amor e castigo pela autoridade externa – é trocada por uma constante infelicidade interna, na tensão do sentimento de culpa. Em outros termos, primeiro renúncia à pulsão frente ao medo de agressão por parte da autoridade externa, e depois a organização de uma autoridade interna e a renúncia a pulsão devido ao medo da consciência. Assim é que as más intenções se igualam as más ações, onde vem a surgir o sentimento de culpa e a necessidade de punição.
Essa tensão entre o ego e o superego, que a ele se acha sujeito, é o sentimento de culpa propriamente dito, que se expressa como uma necessidade de punição, artifício o qual a civilização impõe ao ego do sujeito para conseguir dominar seu desejo de agressão aos outros. O superego atormenta o ego pecador com o sentimento de angústia ficando a espera de oportunidades para fazê-lo ser punido pelo mundo externo.
Dessa forma Freud afirma conhecer duas origens do sentimento de culpa: uma surgida do medo, de uma autoridade que insiste numa renúncia às satisfações pulsionais, e outra, posterior, que surge do medo do superego exigindo punição dado os desejos proibidos não serem escondidos do superego. Aqui a angústia é marca presente.
Assim Freud reafirma que todos estariam fadados a sentir culpa, dado que esta seria uma expressão do conflito devido à ambivalência e a eterna luta entre as pulsões de vida e de morte. O conflito assim ficaria exposto, em ação, desde que os homens se defrontassem com a tarefa de viverem juntos, e enquanto a comunidade não assumisse outra configuração que não a estrutura familiar. O conflito, dessa forma, estaria fadado a se expressar “edipianamente”, estabelecendo consciência e criando o primeiro sentimento de culpa. Tema este ao qual Freud se ateve detalhadamente em “Totem e Tabu”.
Freud vem a analisar que o sentimento de culpa seria uma variedade da angústia, em suas fases posteriores, coincidindo com o medo do superego. Pontua que a angústia ainda estaria presente, num lugar ou em outro, atrás de todo sintoma, que em determinada ocasião tomaria posse da consciência – a angústia tida como um sentimento – e em outras, se faria por dominar ocultamente; o que o levaria a pensar num tipo de angústia inconsciente.

 “Por conseguinte, é bastante concebivel que tampouco o sentimento de culpa produzido pela civilização seja percebido como tal, e em grande parte permaneça inconsciente, ou apareça como uma espécie de mal-estar, uma insatisfação para a qual as pessoas buscam outras motivações”. [17]

Afirma ainda que apenas a agressividade seria transformada em sentimento de culpa, isso devido a ter sido recalcada e transmitida para o superego. Enfatiza que conforme aprendemos, os sintomas neuróticos, são basicamente, satisfações substitutivas para desejos sexuais não realizados, ainda, que toda neurose oculte uma cota de sentimentos inconscientes de culpa. O qual por sua vez fortifica os sintomas, usando-os como punição. Nesse ponto Freud formula uma proposição na qual quando uma tendência pulsional experimenta o recalque, seus elementos libidinais são transformados em sintomas, e seus componentes agressivos em sentimentos de culpa.
Freud postula que só podemos ficar satisfeitos afirmando que o processo civilizatório constitui uma modificação sob as exigências das pulsões de vida e pelas exigências da realidade, a qual tem por tarefa reunir os indivíduos isolados numa comunidade ligada por laços libidinais. Onde nos processos de desenvolvimento dos indivíduos, o princípio do prazer incumbido de encontrar a satisfação é mantido como objetivo principal. A integração em comunidade aparece como uma condição dificilmente evitável dado que tem de ser satisfeita para que tal objetivo de felicidade possa ser alcançado. Tal conflito entre o “egoísmo” e o “altruísmo”, entre o indivíduo e a sociedade mostra-se como uma luta dentro da economia da libido, semelhante a distribuição da libido entre o ego e os objetos.
É constitutivo do pensamento freudiano encarar a neurose como o resultado de uma luta entre os interesses do ego e as exigências da libido, luta da qual o ego vem a sair vitorioso, mesmo que ao preço de graves sofrimentos e renúncias. Postula que o homem civilizado trocou uma parcela de suas possibilidades de felicidade por uma parcela de segurança – parcela esta oposta ao desamparo. Pensa ainda na supremacia do superego ao pressionar o ego desamparado e assujeitado frente às ameaças que levariam a formação da angústia e de suas relações com o sentimento de culpa.
Ao final de “O Mal-estar na Civilização” Freud afirma que os juízos de valor do homem vêm a acompanhar diretamente seus desejos de felicidade, o que por si só vem a se constituir numa tentativa de se apoiar, com fortes argumentos, as ilusões do imaginário.
A seguir trilharemos alguns caminhos que marcam a conjuntura da atualidade com autores que buscam refletir as insatisfações, as angústias, e as vias pelas quais se buscam conter ou mesmo suturar o mal-estar, e ainda questionar sobre a possibilidade, ou não, de se desfazer do sintoma.

A MARCA DA CONTEMPORANEIDADE

Um sofrimento psíquico que se manifesta sob a forma da depressão, uma mistura de tristeza a apatia, de uma busca de identidade e de um culto de si mesmo somado a uma busca desesperada de vencer o vazio de seu próprio desejo. Deste modo, Elizabeth Roudinesco em “Por que a psicanálise?” marca o sujeito da contemporaneidade, que passa da psicanálise para a psicofarmacologia, da psicoterapia para tantas outras formas de “tratamento” sem se dar oportunidade de refletir sobre a origem de sua “infelicidade”.
A autora mostra assim que a “era da individualidade” substituiu a “era da subjetividade”, forjando a ilusão de uma liberdade irrestrita, de uma independência sem desejo, de uma historicidade sem história, aonde o homem do agora vem a se transformar no contrário de um sujeito.
Roudinesco assinala que, como forma atenuada da antiga melancolia, a “depressão” domina a subjetividade contemporânea, assim como a histeria no final do século XIX, um sintoma bem próprio que se tornou a “epidemia psíquica” das sociedades democráticas. Tratada como uma depressão, o “conflito neurótico contemporâneo” pareceria já não decorrer de nenhuma causalidade psíquica oriunda do inconsciente. Inconsciente este que ressurge através do corpo, opondo forte resistência às praticas que o disciplinam e que buscam repeli-lo. Fato que se revela pelo fracasso dos inúmeros modos de terapia que se proliferam, sem sucessos.
Esta “depressão” não seria uma neurose, nem uma psicose, nem uma melancolia, mas uma entidade nova que se remeteria a um “estado” situado em termos de uma “fadiga”, de um “déficit” ou mesmo um “enfraquecimento da personalidade”.
A concepção freudiana de um sujeito do inconsciente, consciente de sua liberdade, porém atormentado pelo sexo, pela proibição e pela morte se vê substituída por uma concepção mais “psicológica” de um indivíduo depressivo, que foge de seu inconsciente e que está preocupado em retirar de si a essência de todo conflito.

“O deprimido deste fim de século é herdeiro de uma dependência viciada do mundo. Condenado ao esgotamento pela falta de uma perspectiva revolucionária, ele busca na droga ou na religiosidade, no higienismo ou no culto de um corpo perfeito o ideal de uma felicidade impossível”. [18]
A partir de 1950, os psicotrópicos modificaram o campo da loucura, ajudaram a desfazer os antigos manicômios, substituíram a camisa-de-força e os antigos tratamentos de choque. Ainda que, não curando nenhuma “doença mental ou nervosa” revolucionaram as representações do psiquismo, moldando um novo homem, polido e sem humor, ao mesmo tempo que esgotado pela evitação de suas paixões e abatido por não ser conforme os ideais lhe impostos.
Receitados tanto por especialistas em psicopatologia, como por clínicos gerais, os psicotrópicos têm o efeito de normalizar comportamentos, eliminando os sintomas mais dolorosos de sofrimento, sem ao menos se buscar alguma significação. De modo geral a psicofarmacologia proporcionou ao homem uma “recuperação da liberdade”: os neurolépticos devolveram a fala ao “louco”, permitindo de certa forma sua integração ao social e o abandono dos métodos bárbaros e ineficazes de tratamento, ao passo que os ansiolíticos e antidepressivos trouxeram aos neuróticos e aos deprimidos uma certa tranqüilidade.
Porém, acreditando em suas próprias fórmulas, a psicofarmacologia acabou encerrando o sujeito numa nova alienação, buscando curá-lo de sua própria condição humana. Deste modo a psicofarmacologia se tornou o estandarte de um imperialismo que permite que todos os médicos, inclusive os clínicos gerais, abordem da mesma maneira todos os tipos de afecções.
Psicoses, neuroses, fobias, melancolias e depressões são tratadas como um conjunto de “estados ansiosos” oriundos de crises de pânico passageiras, ataques de angústia, ou mesmo de estados de estresse, ou um nervosismo extremo, devido a um ambiente difícil e não propício ao bem estar. Entre os psicotrópicos os antidepressivos são os mais receitados – isso sem que se possa afirmar, de fato, que os estados depressivos vêm aumentando.
Elizabeth Roudinesco aponta inclusive que estudos sociológicos mostram igualmente que a “sociedade depressiva” tende a romper com o cerne da vida humana, onde entre o medo de uma desordem e com a valorização de uma competitividade baseada exclusivamente no sucesso material, muitos são aqueles que se entregam voluntariamente a substancias químicas do que a pensar em seus sofrimentos:

“O poder dos remédios do espírito, portanto, é o sintoma de uma modernidade que tende a abolir no homem não apenas o desejo de liberdade, mas também a própria idéia de enfrentar a prova dele. O silencio passa então a ser preferível à linguagem, fonte de angústia e vergonha”. [19]
Diante da investida psicofarmacológica, a psiquiatria abdicou o modelo nosográfico em favor de uma classificação dos comportamentos, reduzindo seu caráter clássico de investigação e tomando as psicoterapias como meras técnicas de supressão dos sintomas. O medicamento, assim, sempre atenderia às necessidades, seja qual for a duração da receita, as situações de crise ou mesmo o estado sintomático.
Seja qual for o sintoma, angústia, agitação, melancolia ou simples ansiedade, seria preciso tratar o traço característico da doença, e depois suprimi-lo, evitando-se assim de investigar sua causa. No lugar das paixões surgiria a calmaria, em lugar do desejo a ausência deste, e frente ao sujeito, o nada, silenciado em sua história. Assim nessa “sociedade liberal depressiva”, frente ao imediativo, o tempo seria o contabilizador e impeditivo para se ater aos processos de longa duração e de investigação do psiquismo.
Roudinesco afirma que o homem doente da sociedade depressiva é aquele literalmente “possuído” por um sistema biopolítico que rege seu pensamento, onde, não apenas ele não é o responsável por coisa alguma de sua vida, como não se tem o direito de imaginar que sua morte, seus atos e suas escolhas possam advir de atos decorrentes de sua consciência, ou de seu inconsciente.
A sistemática do determinismo – seja ele genético, neuronal, hormonal – teve como conseqüência o deslocamento feito a partir da “psiquiatria dinâmica” e devido sua substituição por um sistema comportamental que se basearia em dois modelos: um que se fundamentaria exclusivamente na organicidade, portador de um universal simplista, e outro que se calcaria na diferença, a partir de um culturalismo empírico.
Tudo o que não houve foi um equilíbrio entre a evolução das “ciências do cérebro”, advindas com as novas investidas da psiquiatria e da farmacologia, e o aperfeiçoamento dos modelos significativos de explicação do psiquismo, onde se encontram a psicanálise e as psicoterapias.
Elaborado pela American Psychiatric Association, em 1952, o DSM – Manual Diagnóstico e Estatístico dos Distúrbios Mentais – levava em consideração as conquistas da psicanálise e da psiquiatria dinâmica, defendendo a idéia de que os distúrbios mentais e psíquicos decorriam da história inconsciente do indivíduo, de sua posição enquanto sujeito e de sua relação com o meio social. Mesclava assim o cultural, o existencial e o patológico relacionado com uma norma.
Com a ampliação de uma abordagem mais liberal, submetendo à clínica, critérios de rentabilidade, ao gosto do próprio sistema econômico, as teses freudianas foram julgadas “ineficazes” em sua terapêutica, sendo consideradas longas, desnecessárias e dispendiosas por demais.
Na medicina científica a eficácia se pauta no modelo sinais-diagnóstico-tratamento, na qual se constatam os sintomas, dá-se um nome a doença e se administra um tratamento. O que leva o doente a ficar “curado” do mecanismo biológico da doença. No que tange ao psiquismo, os “sintomas” não se remetem a uma única “doença” e esta não é exatamente uma doença e sim um estado. Aqui a “cura” se faz com uma transformação existencial do sujeito.
Depois de sua publicação, em 1952, o DSM foi revisado sempre no sentido de se abandonar à síntese efetuada pela psiquiatria dinâmica. Baseando-se no esquema sinal-diagnóstico-tratamento, o Manual acabou eliminando de suas próprias classificações a subjetividade. Foram quatro revisões, a primeira em 1968, com o DSM II, a segunda em 1980, com o DSM III, seguida do DSM III-R em 1987, e na última com o DSM IV, em 1994.
Os resultados dessas operações vieram de encontro com a eliminação das terminologias elaboradas pela psiquiatria clássica e pela psicanálise, na qual conceitos como, psicose, neurose e perversão foram abandonados e substituídos pelas noções de “distúrbios” e “desordens”, em favor de uma caracterização somática.
Assim através de tais manuais são estabelecidos critérios e diagnósticos que visam determinar a presença ou a ausência de características clinicas específicas.
No que concerne aos quadros relativos aos “distúrbios de pânico”, estes são caracterizados em subtipos [20] , como: os quadros de “distúrbios de pânico com ou sem agorafobia”, os casos de “agorafobia sem história de distúrbio de pânico”, as “fobias sociais” as “fobias simples”, os “distúrbios de stress pós traumático”, os “distúrbios generalizados de ansiedade” e ainda os “distúrbios de ansiedade sem outra especificação”.
A partir de então os princípios enunciados no Manual foram tomados como fonte autorizada por todo o planeta a partir do momento que foram adotados pela Associação Mundial de Psiquiatria e pela Organização Mundial de Saúde, organizadora de outro manual, o CID – 10.
Baseando-se em uma concepção da mente segundo a qual o psíquico e o neural seriam as faces de um mesmo fenômeno, a “ciência cognitiva” aliada à neurobiologia, a neurofisiologia, a inteligência artificial e a neuropsicologia, visa a partir de um universal, dar conta do funcionamento da atividade psíquica do homem através de concepções e caracterizações do sistema nervoso pura e meramente baseado em sistemas físico-químicos.
O que todas essas teorias acabam por favorecer é uma visão reacionária e niilista do gênero humano, onde se faz por inútil investigar a significação da história singular do sujeito, onde não se preocupa com a significação dos discursos dos “doentes mentais”, dado que são tomados como “deficientes cognitivos”. O tratamento, simplista e universal, situa assim os sintomas numa categoria mais apropriada do DSM, ou CID administrando o neuroléptico mais apropriado.
Dessa forma, o adverso quadro da contemporaneidade revela a crise geral das sociedades ocidentais, refletidos numa crise econômica e social, na crise dos valores democráticos e na falta de esperança e ilusões. A vigorosa ascensão das terapias corporais e tratamentos farmacológicos vão de encontro assim com os imperativos econômicos em detrimento as necessidades produzidas e a serem consumidas até então.
Os pacientes de hoje que recorrem aos tratamentos psicanalíticos, são de maneira geral, impregnado desse niilismo contemporâneo, apresentando distúrbios narcísicos ou depressivos, sofrendo de solidão e de sintomas de perda de identidade. Dentro de uma economia de mercado que trata os sujeitos como mercadorias os pacientes, também tendem a utilizar a psicanálise como um medicamento, e o analista, como um mero receptáculo de suas angústias e sofrimentos.
Deste modo, imerso nesse quadro do contemporâneo, Roudinesco mostra como se tece as malhas da subjetividade moderna, marcadas na depressão, na autovitimização e discriminação do outro, somado as crises de identidade e a aniquilação do pensamento.
O psicanalista francês Charles Melmam vai constatar uma “crise das referências” e uma “nova economia psíquica”, afirmando que estamos lidando com uma mutação que nos faz passar de uma economia organizada pelo recalque para uma economia organizada pela exibição do gozo, algo que implica em deveres radicalmente novos, em impossibilidades, dificuldades e sofrimentos diferentes.
Afirma que um traço dessa nova economia psíquica é que nela não há mais divisão subjetiva, sujeito dividido, alguém que interrogue sobre sua própria existência, em uma dialética, uma reflexão e uma oposição.
Melmam fala de um gozo que é homogêneo em nossa economia, esta que nos é capaz de fornecer objetos cada vez mais fantásticos e próprios e de nos fornecer satisfações, sejam estas objetais ou narcísicas. Assim trata-se de uma economia do signo e não mais da linguagem, do significante, não se trata mais de se satisfazer com “representações”, mas com o próprio “autêntico”, não representado, mas no efetivo de uma realidade, onde a representação se torna mais o signo do objeto do que sua metáfora.
Marca o lugar de destaque das teorias cognitivistas que se organizam nesses princípios de aprendizagem direta dos caminhos de acesso, tanto do objeto quanto de si mesmo, para assegurar uma trajetória objetiva e direta, quase feliz e sem complicadores.
Pauta que hoje podemos estar não integralmente lidando com sujeitos fixados e definidos, mas sujeitos flexíveis e perfeitamente capazes de se modificar, de mudar e empreender experiências diversas. Fala de sujeitos que estão na falta de referenciais, de um referente que permitam afirmar sua validade e sua continuidade, de um “eu” que se vê exposto, frágil, deprimido e que está em constante necessidade de ser confirmado. Elementos de um percurso que nos mostram as freqüências de estados depressivos diversos a qual estamos lidando.
Assim afirma que passamos de uma economia fundada no “recalque” para uma economia que promove a “perversão”, de uma perversão que seria a norma social, que está no princípio das relações sociais, através de uma forma de se servir do parceiro como um objeto descartável quando se avalia que é insuficiente. O que se mostra nos laços que se criam, não fundados na representação, mas no ser do objeto, onde este é investido na medida em que seu ser é fonte de benefícios.
Melmam afirma que tal processo não depende de ninguém, de nenhuma ideologia:

“Depende somente dos povos cuja expansão econômica, acelerada, magnífica, mundializada, tem necessidade, para se nutrir, de ver romperem-se as timidezes, os pudores, as barreiras morais, os interditos. Isso a fim de criar populações de consumidores, ávidos de gozo perfeito, sem limite e aditivos. Estamos, doravante, em estado de adição com relação aos objetos”. [21]
No que diz respeito ao uso recorrente de substâncias químicas e neuroquímicas, nos relembra que o que era pensado como pharmakon, era que haveria sempre um objeto suscetível de curar uma doença, de curar nossa insatisfação, tanto diante do mundo, quanto de si mesmo. Questão que ele coloca em estreita relação com as drogas, o medicamento absoluto que cura todos os males e que também nos dispensa de certa forma da existência.
Desse modo o mecanismo original de satisfação se dá com uma dependência com relação a um objeto pertencente ao campo da realidade cuja economia é regida por uma alternância de presença e ausência, o que faz com que a toxicomania esteja num status de vanguarda de um processo cultural que está preste a se generalizar.
Quanto a uma possibilidade de uma obstrução dessa “pulsão de morte” vemos que o próprio dessa nova economia psíquica é a característica de se aspirar a esta, dado a busca frenética de uma satisfação plena e completa.
Ao postular sobre novos sujeitos, sobre um novo homem, a se saber se serão ou não providos de um inconsciente, o que de modo algum parece obrigatório, o autor nos conduz a Lacan, onde o inconsciente freudiano vem surgiu num momento muito preciso da evolução cultural – o que não impede que não possa haver outros inconscientes além do freudiano – que é o inconsciente da fala, que se dá a ouvir e que vem a desorganizar. Onde o sujeito é habitado por um não-conhecido que vem a desorganizar a ordem de seu mundo, devido a um desejo que o anima e que se ignora, que lhe é próprio e estruturado.

“Seja o que for, há hoje, na nossa clínica, um ‘homem liberal’, um sujeito novo, ‘sem gravidade’, cujo sofrimento, é claro, vai ser diferente. Observamos novas expressões clínicas do sofrimento, pois este apesar da felicidade que a nova economia psíquica é suposta a nos assegurar, vem nos lembrar que sempre, em algum lugar, há um impossível, que há sempre em algum lugar, algo que capenga”. [22]
Frente a essa nova sintomatologia Melmam pontua que seria preciso falar de uma “atopia constitucional”, de se encontrar com formas, de como expressar mais aproximadamente aquilo a que nós confrontamos, dando conta da desolação de não se sentir legitimado em lugar nenhum tal como esses quadros nos dão testemunhos.
Acusa a “medicina”, e em particular os psiquiatras, a estarem a serviço do poder, do imperativo social, antes de estarem a serviço do sujeito. Igual posto estaria o “direito” ao corrigir todas as insatisfações que podem se encontrar no nosso meio social, aquilo a que chamam os juristas de necessidade de o direito se adaptar à evolução dos costumes.
Frente àquilo tido como “sofrimento psíquico”, o psicanalista afirma que este seria o preço a se pagar pela emergência da nova economia psíquica com a existência de sujeitos obliterados. Todos se tornando funcionários, capturados de um sistema econômico em que se tem de assegurar, garantir e produzir o “bem-estar” junto com a satisfação daquilo que nos cerca. Assim o direito do cidadão se torna o direito a uma satisfação completa e perfeita.
Nessa nova economia psíquica, assim, o objeto parece não estar mais no inconsciente, ou seja, o inconsciente não é o lugar detentor do gozo, o objeto estaria no campo da realidade.
A relação com esse inconsciente que se anuncia com o advento dessa nova economia psíquica, o psicanalista francês, acredita que não vamos à direção de uma desaparição do inconsciente, no sentido freudiano, mas sim na desaparição do sujeito do inconsciente. Lidaremos, afirma Melmam, com um inconsciente que não terá mais interlocutor, onde não se haverá mais vontade de se fazer reconhecer, e nem enunciação a título de sujeito.
O que contribuiria com a construção de um homem sem referências históricas, sem qualidades, com uma existência libertada e extremamente sensível a sugestões. Essa ausência de referencias – Melmam vai lembrar que “o céu está vazio” – de laço um com o Outro, o tornam extremamente sensível a todas as injunções vindas de outrem. A imprensa e a mídia se ocupariam a substituir esse Outro, tomando o lugar outrora ocupado pela história, pela religião e pela dívida simbólica.
Melmam constata que o progresso da ciência permite hoje a um sujeito se expressar, este não seria o sujeito do desejo, seria o sujeito da demanda ou da necessidade. Isso devido à ciência, que com seus méritos consideráveis, por sinal, é cada vez mais capaz de satisfazer necessidades e demandas – isso aparentemente.
A ciência assim em suas aplicações mostra sua capacidade de fazer o sujeito do desejo se calar, esse sujeito do inconsciente que vem organizar da melhor forma seu gozo sexual, de modo que ele possa ser assegurado do melhor meio possível. Esse sistema é assim interpretado como uma tentativa de se curar a angústia do sujeito pela garantia que o recalque, a referência paterna, dá a própria identificação e então ao amor próprio, ou seja, permaneceríamos numa posição de criança generalizada, criaturas dependentes, tributárias da satisfação.
A nova economia psíquica teria assim estreita relação com o liberalismo econômico, este que somado a livre troca teria incidências subjetivas diretas naqueles que delas participam, da sua instalação e de seu impulso. Essa nova política econômica que marca o triunfo do liberalismo traria consigo uma mutação da relação com o semelhante, com o rompimento da solidariedade em face à agressividade da concorrência.
O sujeito capitalista de hoje é aquele que corre sem parar atrás de um reconhecimento, estando exposto aos acasos próprios da economia, arriscando a se arruinar e a desaparecer:

“Estamos em duas lógicas completamente diferentes: uma é fundada na assunção do traço que assegura a identidade; a outra é organizada pela busca incessante de marcas de uma identidade que só vale no olhar do semelhante, que só pode ser validade por um efeito de massa – reconhecimento público, midiático – e que nunca é definitivamente adquirido”. [23]
Deste modo é que Melmam postula que passamos de um regime ao outro, onde, não apenas o gozo não mais é recalcado, mas onde são as manifestações do gozo que devem dominar. Na participação na vida social, o laço não passa mais pelo compartilhar de um recalque coletivo – os usos e costumes – mas pelo encargo que é sustentado frente à corrida imperativa pelo gozo.

“Eis o dispositivo que subverte a mutação cultural introduzida pelo liberalismo econômico ao encorajar um hedonismo sem rédeas. Não é mais, por isso, uma economia centrada no objeto perdido e em seus representantes que é avalizada; ao contrário, é uma economia psíquica organizada pela representação de um objeto doravante acessível e pelo cumprimento, até seu termo, do gozo”. [24]
Essa nova organização é assim homogênea e articulada com o desenvolvimento da economia mercadológica, essa nova estruturação psíquica é a própria ideologia da economia de mercado que funciona em um campo lógico em que não há mais um impossível. Essa economia é a que apenas interpela um consumidor abstrato que deve se adaptar as ofertas que lhe são feitas e que o subjetivam.
Desse modo, temos de reunir alguns dados com os quais possamos nos sustentar para não sermos levados por um fluxo social, por essa exigência que quer nos impor um comportamento de coerção absoluta. Já que o inconsciente, como se sabe é o incorreto por excelência.
Por essas questões que se impõem à contemporaneidade, a psicanálise vem a se inclinar a fim de identificar a forma pela qual essas leis se prestam a “outras escritas”, geradoras talvez de uma melhor resolução de nossos sintomas e de nossas relações com nossos semelhantes, com nós mesmos, o social e com o bem-estar.

PARA QUE TANTA ANGÚSTIA?

Levantei-me há cerca de trinta dias, mas julgo que ainda não me restabeleci completamente. Das visões que me perseguiam naquelas noites compridas umas sombras permanecem, sombras que se misturam à realidade e me produzem calafrio”.
Graciliano Ramos, em Angústia

Na primeira parte de nosso texto confrontamos as duas teorias de Freud acerca da angústia e o percurso do conceito em sua obra. Tratamos de um momento preliminar onde a angústia decorreria de um excesso de energia libidinal não eliminada, onde o recalque seria o provocador da angústia, teoria a qual se fomentaria por uma explicação basicamente econômica.
Num momento posterior e partindo de uma explicação mais dinâmica, confrontamos uma segunda teoria de Freud que consideraria que a angústia viria indicar ao ego o surgimento de um perigo externo, onde não seria o recalcamento que provocaria a angústia, mas sim, a angústia que viria a provocar o recalcamento. Deste modo, a hipótese freudiana viria a considerar o afeto de angústia como um sinal, uma marca histórica manifesta do impacto proveniente da situação traumática – inicialmente a angústia do nascimento e posteriormente a angústia de castração – e suas relações frente ao mal-estar de um ego ameaçado ao desamparo e a sua integridade.
Num segundo eixo, inicialmente com Elizabeth Roudinesco, buscamos tratar das principais configurações clínicas fundamentadas pela psicofarmacologia que vem a suturar e regular os sintomas e o mal-estar do sujeito através de substancias neuroquímicas, sustentando promessas paliativas frente a uma atopia tão característica, e tão em voga, de uma temporalidade onde há o predomínio da ordem do agora, do imediato e do gozo autístico a qualquer preço.
Com Melmam pensamos em uma “crise de referenciais” e em uma “nova economia psíquica”, com uma mutação que parece passar de uma economia fundada no “recalque” para uma economia que promove a “perversão”.
Elementos que se mostram nos laços que se criam, não fundados na representação em si, mas no ser do objeto, no autentico, onde este só é investido na medida em que seu ser é fonte de benefícios, nas quais as manifestações do gozo devem dominar. O que vem com uma economia do signo, e não mais da linguagem, do significante, onde a representação se torna mais o signo do objeto, o efetivo de sua realidade do que em sua metáfora.
A marca da contemporaneidade trás o registro de que algo do sujeito e de seu desejo se transformou radicalmente, onde o desamparo, a insegurança e o atopismo se mostram como sintomas e como elementos que vêem à tona – os quadros de depressão são os exemplos pontuais, da mesma forma que o consumismo exacerbado, os workaholics, os toxicômanos, os novos sintomas contemporâneos e tantos outros expoentes de nossa época.
Dessa forma se organizam as demandas e ofertas por substancias psicoativas, onde a mediação psicofarmacológica – sejam elas oferecidas legalmente pela psiquiatria e pela medicina, ou mesmo pelo comércio de drogas ilegais – vem a suavizar o mal-estar, empreendendo significativamente um trabalho de esquecimento pela recusa do desamparo e de seus significados, confortando, e não confrontando, esse novo sujeito.
Tais processos vêm a excluir completamente a subjetividade da análise do mal-estar, não cabendo mais a apreciação da história do sintoma e do sujeito. O ideal científico debruça-se dessa forma para as pesquisas sobre depressões, síndromes de pânico, compulsões, toxicomanias e seus tratamentos, definitivos ou parciais. Assim forma-se na droga uma certeza absoluta como possível e único instrumento terapêutico, a panacéia frente ao mal. A história do sujeito se dá num apagamento da memória, o uso do medicamento visa o silêncio de uma existência que reduz o sujeito a uma funcionalidade orgânica que se transforma como a marca primordial de uma psicopatologia bem própria da contemporaneidade, que faz do rendimento e do lucro a conseqüência direta do determinismo bioquímico cerebral.
Nesse contexto que os psicofarmacos são utilizados reajustando os sistemas a partir de mediadores neuroquímicos que em seu emprego contínuo vem a provocar alterações primárias na percepção e no pensamento, afetando a memória e silenciando marcas de uma história e de uma singularidade.
Faz-se importante frisar aqui que o maior problema composto na medicalização não se encontra necessariamente no fármaco em si, mas no discurso que se toma, necessariamente, junto com a ministração da droga.
O próprio termo “disorder”, usado categoricamente nos manuais de diagnosticos vem a se remeter diretamente a um establisment social, a uma ordem pressuposta, deixando seu caráter normativo muito bem evidenciado. Os DSMs e seus similares vem a tomar a forma de um sistema operacional, universalizador, que vem a reger por uma lógica bem determinada, os objetos da ciência que anteriormente eram inscritos pela própria formação da cultura.
As mudanças ocorridas no campo psi surgem como um fenômeno de convergência, de uma clínica do sujeito narcísico entregue ao seu gozo, clínica esta que apresenta as patologias da contemporaneidade, identificadas a partir de síndromes vagas, como a violência, depressão, adição, síndromes pós traumáticas, pânico, todas estas tocando no ponto de articulação da identidade narcísica, um dos modos de gozar na nossa civilização.
Abandonado o paradigma e um saber possível acerca da singularidade, a psicopatologia da contemporaneidade se mostra como a mais perfeita e ideal engenharia do organismo, fundada na sofisticação tecnológica e no aniquilamento da palavra e do discurso do sujeito, de seu inconsciente.
Jacques Lacan, em “Televisão ” [25], enuncia que o discurso do capitalismo vem a marcar nossa contemporaneidade, dado ser esse discurso regulado pela ação do saber científico. Saber o qual produz objetos de mais-de-gozar, que por sua vez cria um imperativo de gozo frente ao consumo, junto com uma insaciabilidade em adquiri-los.
Dessa forma postula que o discurso do analista seria a única saída possível frente ás amarras do discurso capitalista, algo a barrar o ideal mercantil que alude a todo o momento a busca de uma felicidade adquirida, uma compra de sensações, e uma supressão de todo e qualquer mal-estar.
Lacan ao tratar da transferencia [26] vai afirmar que para a angústia se constituir esta deve se articular com o nível do desejo, expõe que a angústia é o modo radical sob o qual é mantida a relação com o desejo, e enquanto sinal esta angústia pode provir do outro. Enuncia que a angústia se articula numa relação de sustentação do desejo, e que este seria o remédio para a angústia, afirma ainda que tal apoio encontrado no desejo seja mais fácil de sustentar que a própria posição angustiante.
Já em seu Seminário [27] sobre a angústia, Lacan considera que um certo limiar de angústia é o que deve ser sustentado em numa análise, dado que é esta angústia que leva o sujeito ao trabalho analítico e a uma possibilidade de se efetuar uma resignificação, a uma retificação subjetiva, ou seja, um outro olhar. Dessa forma podemos afirmar que na clínica um quantum de angústia é o motor do tratamento, é uma elaboração, própria da repetição, é o material do trabalho e ao mesmo tempo o instrumento necessário para que se de uma análise e que não deve ser abolido.
A experiência de um certo mal-estar, de um quantum de angústia é o que motiva o sujeito na direção de uma simbolização de seu sintoma, de suas dores, seus conflitos e de sua infelicidade. Dessa forma acreditamos que a palavra, o sutil instrumento da linguagem, a dialética do desejo é o que lançaria o sujeito contra o apagamento produzido pela civilização, pela razão instrumentalista e pelo discurso imperativo e ideológico.
Se a angústia é a afecção mais importante, se ela é “o único afeto de fato”, aquele pelo qual todos os outros podem ser trocados, é porque ela é a que pode ser concebida como indício da verdade daquilo que de verdadeiro há, a angústia é o que não engana, é o próprio encontro e verdadeiro toque no Real, assim sendo, ela é o que vem a nos apontar, é o indicio da verdade e aquilo que vem a enunciar que “isto é o que somos”.

» Trabalho apresentado em 2005 ao Departamento de Psicologia, no Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminense, como um dos requisitos para a obtenção do Grau de Bacharel em Psicologia e Psicólogo.
Este texto contou com a atenciosa orientação da Profª. Drª. Letícia Martins Balbi, e com a cuidadosa leitura do Prof. Dr. Paulo Eduardo Viana Vidal e do Prof. Dr. Francisco Leonel Fernandes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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NOTAS
[1] O termo usado por Freud se equipara ao que a psiquiatria moderna toma por depressão.
[2] FREUD, S. “Sobre os fundamentos para destacar da neurastenia uma síndrome específica denominada neurose de angustia” (1895 |1894|). p. 94.
[3]  FREUD, S. “A História do movimento psicanalítico” (1914). Em: Obras completas, vol. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1996, p. 26.
[4]  FREUD, S. “Recalque” (1915). Em: Obras completas, vol. XIV. Op. cit., p. 159.
[5] FREUD, S. “Conferencias Introdutórias sobre Psicanálise – Conferencia XXV – A Angústia” (1915). Op. cit.
[6]  Idem, p. 405.
[7]  FREUD, S. “Inibição, sintoma e angústia” (1926). Op. cit,. p. 96.
[8]  Idem, p. 101.
[9]  Ibid., p. 128.
[10]  Ibid., p. 165.
[11]  FREUD, S. “Novas Conferencias Introdutórias sobre Psicanálise – Conferência XXXII – Angústia e a Vida Pulsional” (1933). Op. cit., p. 97.
[12]  FREUD, S. “O Futuro de uma Ilusão” (1927). Op. cit., p. 39.
[13]  FREUD, S. “O Mal-estar na Civilização” (1930). Op. cit., p. 83.
[14]  dem,. p. 86.
[15]  Ibid., p. 113.
[16]  FREUD, S. “Novas Conferencias Introdutórias sobre Psicanálise – Conferência XXXII – Angústia e a Vida Pulsional” (1933). Op. cit., p. 110.
[17]   FREUD, S. “O Mal-estar na Civilização” (1930). Op. cit., p. 138.
[18]  ROUDINESCO, ELIZABETH. “Por que a psicanálise?”. Rio de janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000, p.19.
[19]   Idem. p. 30.
[20]  Cf. AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. “Breviário de critérios diagnósticos do DSM-III-R”. São Paulo, Manole, 1990. p. 94.
[21] MELMAN, CHARLES. “O Homem sem Gravidade – Gozar a qualquer preço”. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2003. p.56.
[22]  Idem, p. 96.
[23]  Ibid., p. 172.
[24]  Ibid., p. 180.
[25]  LACAN, JACQUES. “Televisão”. Rio de janeiro: Jorge Zahar Editor. 1993. p. 34.
[26]  LACAN, JACQUES. “O Seminário, livro 8: A Transferencia – A angústia e sua relação com o desejo”. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1986.
[27]  Cf. LACAN, JACQUES. “O Seminário, livro 10: A Angústia” (1962/1963). Inédito.