EXISTENCIALISMO – DA FILOSOFIA À PSICOLOGIA




Allan de Aguiar Almeida

No prefácio de “Introdução à Metafísica” de M. Heidegger, Emanuel Carneiro Leão já nos mostra que em filosofia não há possibilidades de introdução já que a própria filosofia já está operando em todo o pensamento que nela se procura iniciar ou introduzir. Mostra que o caminho possível é o retorno à existência, à sua origem e ao fazer uma introdução à metafísica o que se levanta são essas próprias questões, onde a própria metafísica procede, focando nas fontes originárias de suas possibilidades e limites.

A situação histórica e a própria existência são os responsáveis por todo o pensamento e os indicadores, os temas daquilo que é próprio a se investigar, a se essencializar; o projeto de algo que ainda não é, ou seja, nasce da reflexão sobre a situação em que pensa o filosofo. Na reflexão da situação da nossa existência que revela a consciência de uma unidade e de um corte histórico na tradição. Essa reflexão filosófica da existência se transformou na problemática entre imanência e transcendência, que teve seu início de transformação em Kant, passando por Heidegger.

Heidegger propõe que os homens não podem existir senão em comércio e comunhão com o mundo dos entes. Ente esse que significa tudo que de algum modo é, que tem um significado positivo ou mesmo negativo para a existência, assim incluindo-se o próprio nada. Do ente afirma que o homem não pode prescindir, o homem não se basta a si mesmo, sempre necessita de algo que ele mesmo não é. Assim sem esse outro, o homem não pode ser.

A existência humana acaba por exigir que o ente se afete, se lhe dê e manifeste, imergindo e se entregando aos entes. Em outras palavras, o homem precisa estar sempre presente no mundo e ao mundo dos entes para que possa chegar a ele mesmo o seu ser: “ser” que significa o modo de ser do ente, e “Ser” que é o fundamento de possibilidade no qual o ente se essencializa em eu “ser”.

Dentro de toda a filosofia hedeggeriana o ente e seu ser, o homem e sua existência e o ser em sua verdade, dizem respeito sobre a questão da diferença ontológica, que acaba por constituir o fundamento esquecido e não pensado. Dessa forma em Heidegger o “Esquecimento do Ser” é o esquecimento da diferença ontológica, daquilo que é mais digno de ser posto em questão, tema central de investigação de toda sua filosofia.

O comércio com os entes se sustenta e faz toda sua articulação na compreensão prévia e nas suas várias formas da “Verdade do Ser” através da linguagem, onde o homem acaba por usar a palavra “é”. A transcendência indica aquilo que faz o homem ultrapassar e superar a obscuridade do ente, que se comunica na propria existência, dando-lhe o sentido e o tornando possível na luz do ser à luz da Verdade. Assim o homem sempre existe no mundo, enquanto o transcende, assim como o mundo sempre transcende, enquanto nele existe.

Em “Sein und Zeit”, Heidegger levanta o problema da tensão da existência, o que faz com que suas obras posteriores articulem a questão central de seu pensamento: o Sentido e a Verdade do Ser, em sua estrutura ontológica, a essencialização da existência e suas condições de possibilidade, a tensão entre imanência e transcendência e entre o ente e o ser, junto com a questão da filosofia e sua propria historia e a concepção da essencialização da verdade.

A filosofia heideggeriana de fato é uma reflexão mais sobre a verdade do ente como da Verdade do Ser, onde a tensão humana se agita na tensão onde o homem insiste no domínio da Verdade do Ser. Partindo disso o homem só consegue atingir a verdade do ente ao habitar a luz do Ser, onde o ente se manifesta como tal e no mais alto grau de possibilidades permanecer sempre um ente sensível, que deve receber dos outros as “virtualidades de sua própria humanidade”.

Tratando do sentido do ser, Heidegger interpreta o tempo como o horizonte para a compreensão do Ser, constituindo-se assim como meta provisória. Esquecendo-se a verdade ontológica é que se poderá investigar a Verdade e o Sentido superando a tradição, não negando nem destruindo a metafísica, onde a maior provocação para o pensamento é o esquecimento do Ser da metafísica que se dá a partir de uma recuperação imaginária do esquecimento do Ser.

A obra de Heidegger em seu primeiro momento trata de remediar a tradição metafísica pelo pensamento esquecido de sua essencialização, pensa a analítica existencial, como Dasein, como existência, partindo de um homem que investiga a questão. O segundo momento de sua obra se dá na etapa regressiva do movimento de superação, onde o esquecimento da metafísica vem da origem da verdade do ser, contextualizado na história e no principio de existência. O que acabou por fazer com que surgissem incompreenções entre os intérpretes que distinguem e até mesmo oposições entre as duas fases da obra. Heidegger vê o homem como algo do transcendente, do ultrapassamento, daquilo que está sendo e não chega a lugar algum. Trabalha com a totalidade aberta, suportando e englobando o conceito do “nada”, ao passo que a ciência o delega, ou seja, a ciência quer do nada saber, faz a dialética da exclusão.

Privilegia a angústia, afirmando que com essa o ser acaba por não se sentir em casa, se desprendendo dos entes a mão e se apresentando num mundo inóspito e infamiliar, no qual o ente se apreende a si mesmo ao ser livre para o possível entre os outros.

Heidegger nunca pretendeu elaborar uma filosofia da existência, mas uma ontologia, uma reflexão sobre a natureza do ser como centro de todo pensamento, sua abordagem apresenta uma mudança total em relação à idéia clássica de essência, o Dasein é o lançado num mundo e num tempo de significações, que articula possibilidades para si mesmo, articula projetos em relação ao futuro, assim o Dasein é temporal, é o próprio tempo.

Ao tratar da existência se refere a essa não apenas como um elemento vivo, mas aquilo que em relação ao nada faz por flutuar num espaço sem raiz. Assim é o acontecer existencial humano imerso ao mesmo tempo em uma precariedade e em uma fragilidade na qual tende a deixar o ente em suspenso, num lugar que não o deixe despencar, fundando assim modos bem próprios de singularização, um que é universal (a singularização negativa) e outro que nos vem a afastar da constante e permanente falta de lugar (a singularização positiva).

Nesse momento de singularização positiva é que se dá o analista a descobrir e a revelar o lugar no qual o paciente funda uma inquietude, a sua própria experiência fundante onde os acontecimentos se mostram como instanteadores de abertura. Tal momento se dá de um modo bem próprio, num lugar tido da transição eclosiva do ninguém ao alguém, na antecâmara desse.

O analista assim está a focar os acontecimentos fundantes inerentes à constelação da natalidade, esta não de ordem cronológica, mas naquilo que se faz de duração existencial de cada um do espaço que se compreende do nascimento até a morte; o analista vem desvelar as possibilidades originárias que vem lançar o Dasein, na constelação própria que o lançou, relembrando-o disso que lhe é próprio, restituindo-o, ao leito.

Nessa posição bem própria ocupada pelo analista é que se dá o auxílio de se passar da autobiografia, enquanto escrita ilusória do “eu” a partir da interpretação pública da vida e do mundo para a heterotanotografia, enquanto escrita do outro a partir da morte, que se traduz o dito pelo revelado no dito, apontando na direção de origem e não no público enquanto tal.

Nisso que temos por tempo antropológico, vemos na modernidade, sua própria profanação, o exílio na dimensão cronológica, no presente caindo toda a pulsação e o vigor dessa duração existencial, uma temporização alheia ao humano. Passando-se pela angústia é que o humano se apropria desses elementos de sua constelação natal inserindo-se de fato na íntima duração de um destino singular.

A extinção desse tempo antropológico desvia, recua, leva para fora esse homem marcando uma aleatoriedade, um desvio, nivelando e achatando o Dasein e tudo aquilo que diz respeito a sua província natal, levando-o a vivências de meros constructos de signos sociais. Frente a essa crise do tempo antropológico o analista vem como desarticulador e destituidor dessa história que leva a essência humana a se positivar não se restituindo, deixando a vida ser entendida como sonho, nada, uma flutuação leve no espaço.

BIBLIOGRAFIA

HEIDEGGER, M. Introdução à metafísica. Trad. por Emmanuel Carneiro Leão. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1987.

________. Seminário de Zollikon. Petrópolis: Vozes, 2001.