SUBJETIVIDADES CONTEMPORÂNEAS E MODOS OUTROS DE SER



Allan de Aguiar Almeida

Fazendo-se uma análise dos diferentes registros semiológicos que convergem para o engendramento das subjetividades percebemos desde então que estes não se mantêm em relações hierárquicas, fixas e definidas, mas sim em relações plurais e polifônicas. Partindo dessa e outras concepções F. Guattari enfatiza a produção de subjetividade por instâncias plurais, coletivas e institucionais ultrapassando a vertente clássica entre sujeito individual e sociedade.

As novas concepções de subjetividade, a modernidade tecnológica e científica, os fatores da atualidade histórica junto às produções maquínicas levam a ampliação do conceito do que seria essa produção de subjetividade, fatos que levam a concepções mais transversalistas do conceito de subjetividade que respondam ao mesmo tempo aos territórios existenciais e aos universos incorporais apresentando assim implicações sociais e culturais de fato.

Devem-se tomar as produções da mídia de massa, da informática e da tecnologia em geral, suas relações com as máquinas de informação e comunicação do mesmo modo que se tomam as máquinas sociais na tentativa de redefinição e refinação da heterogeneidade de componentes que articulados concorrem para a produção de subjetividade.

Inscrevem-se assim tanto a família como a arte, a mídia como a religião, o cinema e a educação passando por dimensões que se colocam em relação direta ou indireta com máquinas informacionais construtoras de signos.

Guattari nos mostra que “as transformações tecnológicas nos obrigam a considerar simultaneamente uma tendência à homogeneização universalizante e reducionista da subjetividade e uma tendência heterogenética, um esforço, da heterogeneidade e da singularização de seus componentes” (pág. 15). Apresenta ainda que as produções maquínicas podem se dar tanto para pior como para melhor, sendo que o que importa são suas articulações com os agenciamentos coletivos de enunciação, criação e novos universos de referência, fugas da midialização embrutecedora.

Como proposta para o que seria subjetividade define esta como “o conjunto das condições que torna possível que instancias individuais e/ou coletivas estejam em posição de emergir como território existencial auto-referencial, em adjacência ou em relação de delimitação com uma alteridade ela mesma subjetiva” (pág. 19). Desse modo em certas circunstâncias a subjetividade pode se individuar ou então se fazer coletiva, se tornando múltipla e se desenvolvendo para além do indivíduo, não se tornando mera e unicamente social.

Do mesmo modo que é fabricada pelas “fases psicogenéticas” da psicanálise, pelos “matemas do Inconsciente”, a subjetividade é arquitetada pelas máquinas sociais, midiáticas e lingüísticas passando por dispositivos técnicos e institucionais que nos levam a concluir que cada grupo, que cada individuo a seu modo conduz a modelizações dessa subjetividade com seus contornos sintomatológicos, comportamentais ou míticos.

Focando-se os registros existenciais o autor nos coloca diante de escolhas éticas cruciais, onde ou se objetiva, se corrige, se cientificiza a subjetividade ou se busca aprendê-la numa dimensão de criatividade processual. Propõe ainda a construção de subjetividades que se dêem na abertura de novos campos de virtualidades que sejam orientadas e objetos de mutações qualitativas que se dêem em rupturas de sentido, fragmentações originarias de “focos mutantes de subjetivação”, de “existenciais inéditos e inusitados”.

Diante dessas condições propõe na função poética a via de se recompor tais universos de subjetivação que foram artificialmente rarefeitos e condensados catalisando os operadores existenciais a adquirir consistência e persistência.

Essa função analítico-poética se instauraria assim como “foco mutante de auto-referenciação e de autovalorização” fazendo rupturas moleculares com forças de desestabilizar as ordens dominantes de classificação e fragmentando o já estabelecido unindo o heterogêneo em novas formações.

Apreendendo essas rupturas de sentidos promotoras de existência, a poesia, teria assim a primazia frente os discursos já categorizados como a ciência ou a psicanálise diante as mutações de subjetividade produzindo em escalas moleculares, rupturas políticas, analíticas e principalmente produtoras de existenciais, que nas palavras de Luiz A. Fuganti se mostrem como, “uma realidade que é produção desejante, não acomodação resignante”.

A refundação da problemática da subjetividade pede de antemão o afastamento do pensamento reducionista do estruturalismo que anda em estreita relação com os modelismos universais de se psicologizar e que concebe o sujeito como a essência ultima da individuação fazendo-se de barreiras a mundos outros de possibilidades, o “universo de valor incorporal que assume o controle dos aspectos mais territorializados através de um movimento de desterritorialização, desenvolvendo campos de possível, tensões de valor, relações de heterogeneidade, de alteridade, de devir outro” (pág. 40).

No conjunto dos modos discursivos Guattari nos mostra o capital desarticulando os modos outros de valorização, o significante fazendo-se valer sobre as falas menores e o aprisionamento do Ser não nos deixando ver a multivalência, os modos que operam nas mais diversas intensidades, seja através da debilidade mental, nos discursos extremistas e enclausuradores, na delinqüência, na massificação capitalística e na cotidianidade que nos cegam frente a outras vias mais coletivas, sociais, políticas e plurais.

A busca de subjetividade, mesmo aquela articulada a universais e ao racionalismo reducionista científico, ou a idéia de um inconsciente reduzido a enunciados e desejos possíveis de interpretações e significações, idéia defendida também por Guattari juntamente com Deleuze em Mil Platôs, pode se dar em estados nascentes que se afloram em sonhos, delírios, arte, em inconscientes que tragam novas vias, enunciados e desejos, os quais se dêem na constituição de complexos de subjetivação levando a possibilidades do diverso de recompor a ordem existencial, criando-se linhas de fuga e dando forma a possibilidades de re-singularização e aberturas possíveis para a construção de processualidades que insejam de fato a inventividade nos modos de ser.


BIBLIOGRAFIA

GUATTARI, Félix (1992). Caosmose: um novo paradigma estético. Rio de Janeiro. Editora 34.