O URSO-POLAR E A BALEIA

Christian Ingo Lenz Dunker



As divergências entre a psicanálise e a psiquiatria estão mal focadas. Ficamos tristes porque há menos serotonina, ou há menos serotonina porque ficamos tristes?

Freud dizia que a relação entre a psicanálise e a psiquiatria seria semelhante à que encontramos entre o urso-polar e a baleia. Como vivem em ambientes diferentes, a comunicação e colaboração entre ambos seria improvável ou impossível. Freud mostrou-se um péssimo climatologista. Não previu que os buracos na camada de ozônio derreteriam as geleiras e que, em meio ao desastre ecológico, finalmente ursos-polares e baleias poderiam vir a fazer parte do mesmo ambiente. Assim está nossa paisagem clínica hoje, com muitos pacientes da psicanálise tomando antidepressivos e muitos pacientes psiquiátricos aspirando à escuta de seu sofrimento. Quanto a quem será o urso e quem será a baleia, resta a controvérsia.

Divergências entre psicanálise e psiquiatria estão mal focadas. Não há nada de contrapsicanalítico na tese de que a depressão é um desequilíbrio dos mecanismos de produção e recaptação de neurotransmissores como serotonina ou dopamina. Não há nada de avesso à psicanálise no argumento de que a depressão não é tristeza e que ela constitui uma "doença" em sentido lato ou estrito. Considero atitude de principiante acusar a psicanálise de fazer apologia da depressão, ou dizer que ela trabalha na moral da culpa e da "falta de vontade". As diferenças relevantes começam quando examinamos de perto certas suposições sobre as quais há de fato consenso genérico entre psicanálise e psiquiatria.

Dizer que existe uma coocorrência entre desequilíbrio neuroquímico e depressão não autoriza atribuir a esse desequilíbrio uma função causal. Ou seja, ficamos tristes porque há menos serotonina, ou há menos serotonina porque ficamos tristes? O que causa a depressão é realmente a diminuição da recaptação de serotonina no interior dos neurônios, ou esta é apenas uma descrição do processo?

Descobertas sobre neuroplasticidade cerebral, estudos com métodos derivados da neuroimagem e pesquisas comparativas sobre a eficácia de tratamentos psicoterápicos insistem no caráter reversível da equação depressiva. O problema não está em mostrar que a depressão é reversível por meio de intervenções no cérebro, mas em mostrar por que ela também é reversível por meio de inúmeras outras práticas não químicas (psicoterapêuticas, narrativas, experienciais). Hipóteses serotoninérgicas e similares são descritivas, não causais ou etiológicas.

Distinção ética
Dizer que a depressão é uma doença tratável não implica endossar a disciplina higienista, a medicalização massiva e a recusa do detalhamento diagnóstico. A depressão pode ser comparada com a febre. Acontece em vários quadros e significa coisas distintas em situações clínicas distintas. Assim como a febre pode ser contida por antitérmico, a depressão pode ser contida por antidepressivo. É uma temeridade pensar que, se a depressão é um transtorno ou uma doença, então ela deve ser erradicada, pois é algo supérfluo que pode ser tirado sem consequências.

Assim como não se pode continuar a dizer que o sofrimento salva e redime, não se pode dizer que uma vida sem sofrimento seria uma vida feliz e que o sofrimento exprime um tipo de fracasso moral ou déficit químico que temos de eliminar. Há uma distinção ética a fazer entre sofrimento (como categoria moral, que contém uma história, que forma vínculos que unem ou separam pessoas), mal-estar (como posição existencial sobre a condição trágica e cômica de nossos assuntos humanos) e sintoma (como privação de liberdade e realização simbólica de um desejo recalcado).

Dimensões que se cruzam, mas não creio que seja a mesma reflexão ética em cada caso, logo não deveriam exprimir a mesma ambição clínica. Quando perdemos a linha divisória entre sintoma e sofrimento, ou entre sofrimento e mal-estar, acabamos como Simão Bacamarte, o personagem de Machado de Assis (O Alienista) que termina internando toda a cidade no asilo do qual só ele tinha a chave.

Todo sintoma exprime um trabalho subjetivo. Além de um problema, exprime uma forma de "solução" criada pelo paciente. Suprimir isso pode ter consequências. Todo medicamento só é eficaz porque realiza "por outras vias" um trabalho ou função que o organismo ou o sujeito pode fazer em condições normais. Ao introduzir o medicamento sem fornecer meios para que o sujeito recupere a possibilidade de realizar esse trabalho, produzimos uma espécie de "efeito colateral", uma "atrofia" das já debilitadas funções psicológicas requeridas para realizar tanto o trabalho positivo da depressão (como força de reparação e integração) como o trabalho negativo da depressão (distanciamento da experiência e redução da capacidade de satisfação).

Desacordo diagnóstico
Entre psicanálise e psiquiatria há um desacordo diagnóstico e um relativo consenso semiológico sobre a depressão. Por isso a psicanálise não distingue a depressão apenas por sua apresentação típica ou atípica, grave ou moderada, como uma patologia ou transtorno localizado do humor. Todavia, assim como a psiquiatria, a psicanálise considera três grupos distintos de depressão: aquelas que parecem reagir a uma experiência isolável, aquelas que atuam de forma crônica em vínculos intersubjetivos de reconhecimento e aquelas que afetam uma condição ou posição básica e permanente da subjetividade.

Há depressões cujo modelo de formação é o luto patológico. Nelas o sujeito exagera, intensifica ou prolonga a resposta esperada para a perda, ausência ou indisponibilidade de algo ou alguém. Encontramos aqui os mesmos sinais do luto: tristeza, idealização da perda, lentificação da fala, culpa por ter sobrevivido, dificuldade de começar de novo, memória ruminante sobre a perda, indignação, impaciência e irritabilidade contra aqueles que não estão no mesmo "momento pessimista". O traço fundamental aqui é a dor de existir. Vivida no corpo, no impedimento do sono e da alimentação, essa dor tira a "graça da vida".

Há depressões cujo modelo é a crise narcísica. Nelas ocorre uma pane do sistema sociossimbólico de reconhecimento subjetivo do desejo. Ao não reconhecer seu próprio desejo, o sujeito não sabe mais se está indo a favor ou contra seus propósitos. Ele interpreta adversidades como sinal e permissão para a desistência. Os triunfos são sentidos como derrotas e as realizações, como sinais de insuficiência (perfeccionismo). Isso pode fazer com que o deprimido desista de fazer seu desejo reconhecido. Isso ocorre de forma circular. A falta de dedicação aos sonhos e projetos leva a decepções que confirmam a insuficiência e a impotência, reduzindo a autoestima.

O terceiro tipo de depressão refere-se à capacidade psíquica de reconstituir objetos e reparar laços. Em alguns casos essa posição fracassa sistematicamente e então não estamos mais diante de um sintoma ou um diagnóstico de segunda, mas de um quadro clínico dotado de maior autonomia diagnóstica. Fala-se aqui, com restrições, em depressão estrutural. Ela estaria ligada a certas experiências primárias marcadas pela antecipação. No conjunto a depressão não deve ser confundida com a síndrome composta por tais signos, pois ela não é só luto e nem apenas crise narcísica ou impossibilidade de posição, mas exageração, intensificação e prolongamento de um funcionamento psíquico.

Podemos aproximar o modelo psicanalítico da depressão baseada no luto patológico da depressão episódica ou reativa; a depressão narcísica poderia traduzir-se no transtorno distímico e no episódio depressivo maior; finalmente, a depressão estrutural evocaria a depressão melancólica e o transtorno bipolar. Mas o problema não é só de ajuste de nomenclaturas. As boas descrições, psiquiátricas ou psicanalíticas, são feitas tendo em vista estratégias de intervenção e transformação. Elas não são o neutro reflexo das coisas como tais, mas descrições ajustadas e intencionadas conforme fins terapêuticos que lhes são próprios.

Antidepressivos e inexistência da cura
Isso põe em questão o conceito de cura atinente à depressão. Se entendermos por cura a completa erradicação do mal, sua exclusão permanente e indelével, em todos os tipos e modalidades, espero sinceramente que nunca encontremos a cura para a depressão. Poderíamos nos tornar mais saudáveis, mas seríamos certamente menos interessantes. Se restringirmos a noção de cura ao controle do exagero, à recuperação da autonomia e à melhor orientação na vida desejante, posso dizer que a depressão tem cura. A depressão deve ser tratada com todos os recursos de que dispomos: psicoterápicos, psicanalíticos, farmacológicos, laborterápicos, nutricionais, e assim por diante.

Quanto ao uso da medicação, há algum tempo firmou-se o consenso de que o melhor tratamento para a depressão, excluindo-se o tipo bipolar, é a estratégia combinada de antidepressivos, psicoterapia e atividades complementares. A modalidade mais indicada seria a psicoterapia cognitivo-comportamental (TCC). Contudo, um estudo recente mostrou que a psicanálise apresenta resultados mais consistentes e mais persistentes.

Na verdade, não se trata apenas de um estudo isolado que mostrou isso, mas um tipo de pesquisa conhecido como meta-análise, uma análise de centenas ou milhares de pesquisas tomadas em conjunto comparativo (Leichsenring, F.; Rabung, S. Effectiveness of Long-term Psychodynamic Psychoterapy. Journal of American Medical Association, October, 1, v. 300, n. 13, 2008).

É possível que o antigo consenso apontasse para a maior aptidão da psicoterapia cognitivo-comportamental em conjugar-se ao método psiquiátrico de verificação de resultados. Essa mesma meta-análise trouxe um resultado difícil de interpretar. Em alguns tipos de depressão mais leves a psicanálise, sem uso de medicação, apresenta melhor resultado do que a psicanálise associada com medicação.

O consenso merece ser reformulado para: a utilização de medicamentos é necessária, benéfica e deve ser acompanhada pela participação ativa e continuada do paciente na decisão de recorrer ao tratamento, nas alterações de dosagens, no controle dos efeitos colaterais, no programa de descontinuação, na elaboração da estratégia geral de tratamento. Tal participação não é apenas necessária para maior aderência ao tratamento (evitando os casos, infelizmente cada vez mais comuns, de supermedicalização e emprego continuado de antidepressivos, por décadas, sem supervisão, geralmente em subdoses ou com mediações inadequadas), mas também para evitar a "medicalização selvagem" (por não psiquiatras) e a automedicação.

Vilões da história?
Não gostaria de situar os medicamentos como vilões da história. Tivemos a fase da "pílula da felicidade". Chegamos agora ao momento mais sóbrio, e mais "administrado", por meio do qual o antidepressivo tornou-se banal. Menos do que nos levar ao céu, ele apenas nos afasta do inferno. Uma versão desse debate vale para a eletroconvulsoterapia, que pode ser útil para casos específicos envolvendo catatonia, não responsividade a nenhum medicamento e paralisação geral do contato com o outro.

Ela é simplesmente inadmissível como uso "popular" e "barato" para contornar a inépcia diagnóstica e a ausência de empenho terapêutico. É assustador verificar o retorno dessa técnica sem que se tenha desenvolvido qualquer teoria consistente sobre seu meio de ação, sobre as razões de sua eficácia ou suas consequências iatrogênicas (permanentes em termos de lesões no cérebro e funções psicológicas associadas).

É indignante constatar que os incrementos técnicos na eficácia da ciência médica tenham gerado uma espécie de efeito colateral, a "autoridade biossecuritária", que induz estados de docilidade e passividade não só no paciente, mas nos familiares e responsáveis, diante de técnicas brutais como essa. Infelizmente há muito disso atravessando as políticas de saúde mental.

Ou seja, o medicamento traz efeitos colaterais ruins, mas uma relação ruim com o medicamento traz efeitos ainda piores. Assim como qualquer tecnologia, o que está em juízo é a maneira como nós a empregamos, interpretamos e incluímos em nossa vida. Em alguns casos de depressão, de tipo mais grave, há um difícil dilema clínico. Ao tomar a medicação, o sujeito melhora, mas sente que a vida "perdeu o sabor". Tudo tem "gosto de papelão", a boca seca, o encontro sexual piora, a pessoa sente que está "funcionando bem", mas os picos e oscilações que dão "tempero" à existência desaparecem. Muitas vezes não é uma troca do tipo 3 por 10, mas uma troca do tipo 3 por 5. Entre o urso-polar e a baleia, a única coisa certa é que a água está subindo para todos.

Texto gentilmente cedido e originalmente publicado em Revista Cult