SEGUNDO DE JANEIRO





SEGUNDO DIA DE JANEIRO



Allan de Aguiar Almeida



Sempre preferi muito mais o dia 02 de janeiro, pois ele me soa muito mais real do que toda aquela fantasia transitória do dia 1º, ou da inútil expectativa ansiosa do dia 31. Já descobrimos que trocar de agendas, calendários, estourar algumas champanhes e foguetes não resolve muita coisa. Vestir-se de branco, com alguma peça íntima de cor estratégica, menos ainda. Fazemos isso todos os anos. No final da primeira tarde do ano, ou mesmo na primeira noite, já se sente as consequências do uso abusivo da esperança. Somos ingênuos. Já se sente uma sorrateira angústia que tentamos disfarçar. Inutilmente.



Esperança é importante, na medida certa é fundamental. Demais é algo próximo a loucura. É algo doido que alimenta nossas repetições, que nos acovarda frente nossas necessárias rupturas, que em boa parte das vezes nos inibe em nossos sonhos estáticos, e emperram nossas vontades de arriscar.



No “ano novo que se inicia”, as pendências continuam, nossas mágoas guardadas, nosso orgulho intacto, e escondido. Preferimos não enxergar para além de nossos espelhos. Isso quando não possuímos olhos cegos.



Como desejar saúde se só nos lembramos de cuidar de nossas doenças? Para que desejar paz, se nossas indiferenças e individualidades são tão exercitadas atualmente? Muito amor?! Dinheiro no bolso? Desses trato depois. Como se faz para desejar felicidade quando nossa vida tem se tornado uma vitrine ambulante, onde buscamos a todo momento repetir a ordem do discurso que vigora? Como se faz isso com nosso tempo capitalizado, esquartejado e espremido – similar o mandado de uma estranha e mecânica produção industrial?



Lembro-me bem de um professor que dizia que qualidade de vida e desenvolvimento estão em oposição. Cada dia percebo e tenho mais certeza disso. Constatamos no tratar de nossas horas, nos encurtamentos de nossos espaços. O que estamos nos tornando? Autômatos a funcionar por vielas conectados a cabo? Wireless? Hipnotizados por nossas telas?



Com os segundos de janeiro, somam-se os minutos de fevereiro, as horas de junho, as semanas, o outubro e meses e mais anos. E assim vamos soltos e errantes. Raduan Nassar, em “Lavoura Arcaica” soube-nos explicar “o tempo” nos contando que ele é “esse algoz às vezes suave, às vezes mais terrível” que confere qualidade a todas as coisas. Dá a esse mesmo tempo, o estatuto, do qual é ele quem decide hoje e sempre “qual o momento da transposição”, “qual o instante que marca o salto?”. Tempo, matéria essa fascinante e ameaçadora a nos cortar. A nos lançar numa constante e eterna busca de sentidos, por vezes soltos, por vezes duros demais.



Sempre preferi muito mais esse tal dia 02 de janeiro. Por nos contar que está tudo igual, por esse toque sutil de realidade, por nos mostrar essas doces e duras contradições. Feliz mais um ano novo.