A ideia
do analista sempre silencioso é uma caricatura. Isso não quer dizer, contudo,
que o silêncio não tenha sua função no processo analítico. Se fosse “verdade”
que o analista não fala, ainda assim teríamos aí uma questão que mereceria
melhores esclarecimentos. Pois como a “verdade
é sempre não-toda”, nos diz Lacan, essa afirmativa por si não seria capaz
de dar conta de dizer tudo sobre a práxis do analista. Por outro lado, vale
dizer que “escutar”, ou melhor, “a escuta de um psicanalista” em si já não é
pouca coisa, pois permite ao sujeito falar daquilo que há de mais íntimo, sem
ser censurado e julgado segundo critérios morais: do bem e do mal, do certo ou
errado, além de contar com o sigilo de seus maiores segredos.
Escutar o
paciente, antes falar e fazer suposições, trata-se de uma posição ética, que
supõe um saber do lado do analisando a respeito de si próprio (mesmo que ele
ainda não saiba) a ser construído no processo analítico. Além disso, isso
aponta para o fato de que qualquer intervenção e interpretação do analista só é
mediante a prévia escuta do paciente. Não se trabalha com um saber pronto,
produzido de antemão, que caberia para todo sujeito. A teoria psicanalítica
orienta e jamais o analista pode prescindir dela, mas ela não substitui o
singular e só se confirma e se autentifica medicante o caso a caso. A
psicanálise é a clínica do particular.
Desse modo,
o analista trabalha
essencialmente com a fala do paciente, pois é na fala que o inconsciente pode
emergir. É isto que Lacan quer assinalar com seu famoso aforismo, que marcou
sua releitura da obra freudiana: “O
inconsciente é estruturado como uma linguagem”. O inconsciente não está
dentro, nem fora, mas se encontra na própria fala do analisando, cabendo ao
analista intervir para que o inconsciente exista. É o analista que enfatiza
aquilo que o analisando desconsidera (as manifestações do inconsciente: atos
falhos, chistes, sonhos, sintoma) e aponta para seu estatuto de representante
da verdade do sujeito. Daí, a tese de Lacan: O inconsciente não é sem o analista.
De modo mais preciso, afirmamos que a
psicanálise trabalha com os ditos do paciente, questionando a posição do
sujeito frente a eles, o lugar do enunciante frente ao seu enunciado,–
permitindo reformular sua queixa e
introduzir o mal-entendido. Isso o guia ao encontro do inconsciente, levando-o
ao questionamento de seu desejo e do que pretende dizer quando fala. O ato
analítico consiste em implicar o sujeito em sua queixa, de modo que possa
avançar, deslizando da queixa a respeito do outro, para a pergunta: “Qual minha
parte nisto?”, produzindo, então, uma retificação subjetiva, uma
responsabilização do sujeito sobre seu sintoma. Convém destacar que
responsabilizar não é de modo algum culpabilizar o paciente pelo seu sofrimento.
Responsabilizar é o primeiro passo para
permitir que o analisando – apesar do assujeitamento do Outro, do determinismo
inconsciente e dos dramas pessoais – possa se autorizar pelas escolhas de sua
vida e encontrar outras vias de se posicionar frente ao mundo, bem como outros
modos de satisfação, construindo, assim, soluções inéditas para sí.
Finalizando, devo dizer que
ética da psicanálise é regulada pelo desejo e toda intervenção/interpretação
analítica incide na tentativa de apontar para a dimensão desejante do sujeito. Logo, o psicanalista fala. O que ele não fala é sobre si, já que isso
produz apenas identificações imaginárias que só tendem a contribuir ainda mais
para a alienação do sujeito – indo na contramão do processo analítico. Ele
também não diz ao paciente como agir, pois quem pode dizer o que é melhor para
o outro? Quanto a isso, Freud há tempos nos alertou , escrevendo que “A felicidade constitui um “problema da economia da libido do indivíduo.” Não existe uma “regra de ouro” para todos. Cada sujeito deve descobrir
o seu caminho que conduz ao prazer.” Nesse sentido, Lacan, por sua vez, foi
bem claro ao formalizar que o analista dirige o tratamento, não o paciente.
Originalmente publicado em: http://flaviabonfim.blogspot.com.br/2012/03/o-psicanalista-nao-fala-so-escuta-mito.html